"Os portugueses, desde a prestigiante aventura das Descobertas, iniciaram, de forma sistemática, o processo da globalização humana"
Ao contrário do que se possa pensar a “globalização” não é um fenómeno recente, tem séculos de existência. O seu grau de intensificação, para o bem e para o mal, é que se tem vindo a reforçar, a um ritmo crescente.
Em boa verdade, podemos afirmar, que os portugueses, desde a prestigiante aventura das Descobertas, quando “deram novos mundos ao mundo”, como escreve Camões, iniciaram, de forma sistemática, o processo da globalização humana.
Nas embarcações que lhes serviam de meios de transporte, não iam só marinheiros, homens de armas e serviçais. Iam, também, homens da Igreja e da ciência.
Os portugueses, nessa “dramática” e empolgante gesta de descobrirem mares e terras (com suas formas de vida vegetais e animais), ventos e estrelas não quiseram apenas chegar ao comércio de novas riquezas ou dominar novos territórios e submeter povos em estádios civilizacionais inferiores. Não! Quiseram também conhecer, influenciar, mudar crenças e culturas.
Vem tudo isto a propósito da notícia do jornal Público, do passado dia 19 de Junho, com chamada de 1.ª página, informando que investigadores portugueses descobriram que foi um jesuíta português quem falou aos chineses, pela 1.ª vez, da existência de Galileu e das suas descobertas extraordinárias, apenas três anos depois de elas terem sido apresentadas em Roma, no Colégio Romano dos Jesuítas.
O que é verdadeiramente extraordinário para aquele tempo, quando o ritmo da vida era outro e não havia qualquer forma de divulgação organizada de notícias, nem dentro de qualquer país, quanto mais entre continentes, é as “últimas” novidades científicas terem chegado tão longe e em apenas 3 anos e levadas logo por um jesuíta.
O padre jesuíta chamava-se Manuel Dias e havia nascido em Castelo Branco em 1574. Estudou em Coimbra e, como jesuíta, esteve na Índia, em Macau e na China, onde terá chegado em 1610, quase há 400 anos. A Pequim terá chegado em 1613, tornando-se, entre 1625 e 1635 o chefe máximo dos Jesuítas naquela parte do mundo. Data de 1614, o seu livro “Sumário de Questões sobre os Céus", com 100 páginas (versão chinesa, a única conhecida) que agora está a ser estudado por Henrique Leitão e Rui Magone (investigadores portugueses). É nele que o jesuíta albicastrense revela os ensinamentos de Galileu.
A questão maior que se coloca é como sabia o jesuíta português tanto sobre Galileu?
Ora, como acima se afirma, Galileu fez o “ponto da situação” dos seus conhecimentos científicos, em 1611, no Colégio Romano dos Jesuítas. Um dos jesuítas que terá por certo assistido aos ensinamentos do sábio italiano, foi Giovanni Paolo, que era amigo pessoal de Galileu.
Porque Portugal precisava mais do que qualquer outro país de efectivos jesuítas, devido à vastidão do seu império, recebia muitos membros da Companhia vindos de outros países europeus, que não tinham tantas terras que exigissem missionários, como era o caso da Itália. Foi, assim, que em 1614 chegou a Lisboa o jesuíta italiano Giovanni Paolo. Com ele vieram os conhecimentos de Galileu, que, logo no ano seguinte, começou a transmitir aos seus alunos (muitos deles futuros jesuítas) como professor de Matemática no Colégio de Jesus de Santo Antão. Os seus apontamentos tornaram-se famosos, por terem as mais antigas instruções conhecidas sobre a forma de construção de telescópios.
A partir da boa organização interna da Companhia de Jesus os novos conhecimentos científicos terão chegado à China, onde o primeiro globo terá sido feito precisamente por Manuel Dias e pelo italiano Nicolau Longobardo.
O interesse dos chineses sobre este assunto tem que ver, sobretudo, com a previsão de eclipses. Para a cultura chinesa, a ocorrência de um eclipse não previsto era interpretado como mau sinal, uma espécie de aviso de que o “céu” não estava contente com o que o imperador fazia na terra.
Também o Papa Urbano VIII, ainda jesuíta em 1611, se entusiasmou com as descobertas de Galileu, entusiasmando-o, mais tarde, já na condição de Pontífice, e depois de o receber várias vezes no Vaticano, a continuar os estudos sobre o heliocentrismo, para matematicamente se avançar nos cálculos das órbitas dos astros.
Como se sabe, Galileu seria, posteriormente, condenado a prisão pelo Santo Ofício e os seus livros proibidos nos países católicos.