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Outubro 20 2009

 As Lutas Liberais no Concelho de Valongo

 (Parte 1)
 
                                                Comunicação apresentada por Manuel Augusto Dias no IV Congresso Histórico de Guimarães (no dia 27 de Outubo de 2006)
  
            1. Introdução
             O actual Município de Valongo (no “Grande Porto”) ainda não existia no tempo em que se deu a Revolução Liberal Portuguesa (24 de Agosto de 1820, na “capital” do Norte), nem quando ocorreu a Guerra Civil (1832-1834), evento histórico em que se inscreve o tema da presente comunicação.
Este novo Município resultou da reforma administrativa, empreendida em 1836, logo após o definitivo triunfo do movimento liberal, com a vitória sobre os partidários de D. Miguel.
Efectivamente, na região a Norte do Douro e a Nordeste da cidade do Porto, pegando com a área geográfica do Município de Gondomar, criar-se-ia o Concelho de Valongo como sinal de homenagem e gratidão ao povo valonguense pela alegada ajuda aos liberais nestas guerras, e, sobretudo, pela considerável influência do ilustre valonguense, António Dias de Oliveira (importante político português deste tempo que, entre 2 de Junho de 1837 e 10 de Agosto do mesmo ano, foi Primeiro-Ministro de Portugal).
Oito anos sobre a Revolução Liberal, desembarcou em Lisboa (1828) o Príncipe D. Miguel, depois de haver jurado cumprir a Carta Constitucional de 1826. Mas a verdade é que, com a sua regência, regressou o Absolutismo a Portugal e D. Miguel é aclamado Rei, segundo os cânones tradicionais. Mais uma vez, coube ao Porto um papel primordial, no combate pela Liberdade.
De 1832 a 1834 travou-se a Guerra Civil, entre Liberais e Absolutistas. Toda a região envolvente do Porto foi, desde o Verão de 1832 até ao Verão do ano seguinte, profundamente molestada por estas guerras, em que os Liberais centrados no Porto, se defenderam, como puderam e quase sempre com a ajuda popular, do Cerco que os Absolutistas lhe apertavam de dia para dia.
As terras do futuro Concelho de Valongo serviram, pois, de palco a batalhas e aos movimentos militares que se desencadearam entre os dois irmãos desavindos: D. Pedro, que entretanto abdicara do trono imperial do Brasil, e D. Miguel, que não abandonava o poder nem os seus ideais Absolutistas.
Os combates mais trágicos do início deste conflito, a Norte do Douro, tiveram lugar, precisamente, no território do actual Município de Valongo, desde o vale do Rio Ferreira, nas freguesias de Sobrado e de Campo (a Leste) até às proximidades do Convento da Mão Poderosa, na freguesia de Ermesinde (a Oeste), passando também pelas freguesias de Valongo, Campo e Alfena.
 
2. Desembarque do Exército Liberal

 

Desembarque do Exército Liberal em Arnosa do Pampelido

(quadro de Roque Gameiro)

 

Depois de desembarcar em Arnosa do Pampelido, a 8 de Julho de 1832 (Praia da Memória), o exército liberal, estimado em aproximadamente 7 mil e 500 homens (alguns dos quais mercenários estrangeiros), superiormente comandados por D. Pedro, instala-se na cidade do Porto, no dia seguinte.
As tropas absolutistas de D. Miguel haviam, entretanto, deixado a cidade, não oferecendo praticamente resistência à entrada do exército “libertador”.
No entanto, os liberais, pouco a pouco, iam ficando cercados na cidade do Porto pelas forças miguelistas (que integravam dez vezes mais soldados que o exército liberal), constituídas, efectivamente, por cerca de 80 mil homens comandados pelo General Álvaro Xavier Póvoas e pelo Visconde de Santa Marta.
Para evitar que o cerco se tornasse demasiado constrangedor, D. Pedro mandou os seus homens ao encontro do exército inimigo, para reconhecer as posições ocupadas e adiar o mais possível a sua aproximação ao Porto.
As principais operações militares, entre liberais e absolutistas, que, segundo algumas fontes, provocaram maior número de vítimas, ocorreram entre os dias 21 e 23 de Julho precisamente em terras que, actualmente, integram o Concelho de Valongo.
 
          3. Lutas liberais no Concelho de Valongo
 
De facto, alguns dos combates mais trágicos (pela mortalidade provocada), no início desta Guerra Civil, tiveram lugar, na Serra de Valongo (o último reduto montanhoso antes da cidade, no sentido Nordeste), entre os vales do Rio Tinto e do Rio Ferreira.
No dia 19 de Julho, Santa Marta estabelece a sua 1.ª brigada no lugar de Sobrado (uma das freguesias do actual concelho de Valongo).
A 21 de Julho, escolhe e toma posições de combate do lado de lá da Ponte sobre o Rio Ferreira (lugar da Gandra – concelho de Paredes). As suas forças, segundo Luz Soriano, rondariam os 12 mil homens, com quatro esquadrões de cavalaria (200 cavalos) e cinco peças de artilharia. Um dos esquadrões fixou-se em Valongo, enquanto os homens encarregados do reconhecimento dos movimentos do inimigo, subiram à Serra de Valongo, vigiando a encosta que dá para Ermesinde, Baguim do Monte e Rio Tinto, donde há uma excelente visibilidade sobre a cidade do Porto.

 

 O “casario” do Porto (ao fundo) visto do alto da Serra de Valongo

 

Para fazer o reconhecimento do inimigo, D. Pedro fez sair do Porto, em direcção a Valongo, na madrugada do dia 22 de Julho, o Batalhão de Caçadores n.º 5, o Batalhão da Rainha, o Infantaria 18 e ainda 80 guias a cavalo, sob o comando geral do Coronel Henrique da Silva Fonseca. Esta força passou em Rio Tinto às 8 horas da manhã, avistando nessa altura os “guias” do exército de D. Miguel no alto de Valongo e, embora aqueles recuassem, perseguiu-os, fez-lhes frente, e combateu-se logo ali, na descida para Valongo, havendo vítimas de ambos os lados, mas em maior número do lado liberal, que tinha menos homens e se encontrava numa posição no terreno bem mais fragilizada. Seguiu-se a fuga desesperada e desorganizada para Rio Tinto, ordenada “in extremis” pelo comandante Silva Fonseca. Do lado liberal, caíra morto o corajoso, e ainda muito jovem, Tenente Narciso de Sá Nogueira (foi a 1.ª baixa de algum destaque nesta guerra civil).
D. Pedro reagiu de pronto. Transferiu a maior parte das tropas que tinha a Sul do Douro para a margem Norte e, na noite seguinte (de 22 para 23 de Julho), sob o seu próprio comando (enquanto a defesa do Porto fica entregue ao Governador Militar), o grosso do exército cartista avança determinado a combater o exército absolutista, em direcção a Valongo.
As forças liberais dividem-se à saída do Porto: umas seguem o itinerário mais próximo do Rio, a estrada de S. Cosme (que leva a Gondomar); outras avançam pelo centro, percorrendo a estrada de Valongo, via Rio Tinto; e a ala esquerda do exército “libertador” marcha pelo caminho da Formiga.
 
         3.1 – Os combates da Formiga (Ermesinde - Valongo)
 
Esta última coluna do exército liberal era comandada pelo Coronel Hodges. Logo pela manhã, o Coronel Silva Fonseca já em Rio Tinto, perante o itinerário mais acidentado da Serra e, muito provavelmente, por ter divisado maior número de inimigos à sua esquerda, ordenou que algumas forças seguissem pela estrada de Baguim do Monte, e fossem reforçar as tropas de Hodges.
Mal estes soldados atingiam as primeiras colinas mais pronunciadas da Serra, talvez na área hoje ocupada pelos terrenos do Seminário do Bom Pastor (Formiga), na encosta do lado oposto ao edifício do Convento da Mão Poderosa, logo os absolutistas, em posição mais elevada do terreno e ocupando, por isso, as melhores posições de combate, começaram a disparar, obrigando a entrar também na luta as forças do Coronel Hodges, ao mesmo tempo que reforçavam com infantaria o seu ataque.
 

 O arvoredo do Seminário da Formiga, visto do lado do antigo Convento da Mão Poderosa

 

Segundo Domingos Oliveira Silva (O Convento da Mão Poderosa, p. 102), o flanco direito das forças de D. Miguel passa logo «a combater, numa frente que devia abranger a linha das alturas, actualmente ocupada pela estrada que liga o Colégio de Ermesinde [instalado precisamente no antigo edifício do Convento da Mão Poderosa] ao entroncamento do alto de Valongo».
Transcrevendo a Chronica Constitucional do Porto, o mesmo autor continua a descrever a batalha: «O combate assim começado tornou-se então geral entre o centro e esquerda da nossa linha (liberais), e a direita e o centro da do inimigo (absolutistas).
No prosseguimento das lutas, o centro principal das operações deslocou-se para o lado oposto do convento, embora no prolongamento da mesma linha:
Assim, o inimigo, forçado em flanco sobre a sua direita, e atacado vigorosamente pelo centro, foi desalojado sucessivamente dos bosques e ondulações do terreno, que porfiadamente defendia; e tendo perdido afinal a esperança de resistir por aquele lado lançou-se todo sobre a esquerda» (idem, p. 103).
Segundo as nossas fontes, o combate prolongou-se ao longo de 7 horas e, sem uma vitória clara e definitiva de qualquer das partes, a verdade é que provocou grande número de mortos e de feridos nos dois lados.
 
 
         3.2 – Batalha da Ponte Ferreira (Campo - Valongo)
 
As outras forças liberais, que passaram ao lado dos combates travados na Formiga, progrediram cautelosamente, ainda no princípio da manhã de 23 de Julho, até descobrirem as posições inimigas que se encontravam para lá do rio Ferreira, desde a região de Balselhas, onde estava acantonado o flanco direito do exército miguelista, até aos pontos mais elevados da Serra do Raio, esquerda das mesmas forças, excelentemente posicionadas e armadas para mais facilmente poderem repelir o ataque dos liberais.
Nem D. Pedro nem os seus oficiais desconheciam a superioridade numérica do exército inimigo que, além do mais, escolhera atempadamente as posições dominantes que ocupava, mas a bravura dos seus homens não lhe permitiu qualquer hesitação, nem a causa pedia outra atitude se não a de ordenar o combate que se impunha.
E assim, a coluna liberal que tinha progredido pelo centro, tomava posições ofensivas no Monte Calvário (S. Martinho do Campo), iniciando pelas 11 horas do dia 23 de Julho de 1832, o ansioso e vingativo tiroteio sobre os realistas que guardavam a Ponte Ferreira, cobrindo em simultâneo o movimento da força da esquerda que, situada em Balselhas, se preparava para atacar violentamente a direita do exército miguelista. Duas companhias do Infantaria 18, comandadas pelo Major Francisco Miranda, o Batalhão Francês sob o comando do Major Chichiri e o Batalhão Inglês do Major Shaw passaram a vau o Ferreira e fizeram recuar o flanco direito do inimigo.
Viu-se então Santa Marta obrigado a reforçar aquela ala do seu exército, que não conseguiu aguentar a pressão das baionetas liberais, com a transferência de homens do seu flanco esquerdo que obrigaram, por sua vez, os constitucionais a atravessar de novo o rio, acabando por ser atraídos a uma emboscada que lhes fora preparada por um esquadrão da Cavalaria de Chaves, fiel a D. Miguel. Muitas mortes então aconteceram quer do lado Pedrista, quer do lado Miguelista.
 

 Um aspecto actual da Ponte Ferreira

 

Também no centro, a violência do combate se mostrava trágica pelos cadáveres liberais e absolutistas que empilhavam a ponte que ninguém lograra passar completamente. O sangue fratricida tingiu as calmas águas do Ferreira que, indiferentes, procuravam caminho entre os corpos que, no seu leito, se amontoavam. Entardecia e o tiroteio esmorecia até que, com a noite cessou o combate. Antes, porém, quando os liberais já se lamentavam da derrota, o Tenente Manuel Tomás dos Santos vendo, do lado inimigo, uma coluna miguelista em movimento resolveu apontar a sua peça de artilharia que, com êxito, disparou pondo o inimigo em fuga. Lavou a honra dos liberais porque os absolutistas recuaram em direcção a Baltar, enquanto os Pedristas permaneceram nas suas posições.
Mas de pouco valeu aos liberais o sabor da vitória porque iriam viver ainda largos e penosos meses de fome, doença e morte antes que soasse o desejado grito de vitória decisiva que, finalmente, havia de libertar o País do jugo da usurpadora monarquia absoluta. 
publicado por viajandonotempo às 18:06

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