Quase seis décadas a ajudar a cultura portuguesa
Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian
Bem se pode dizer que a arte de bem receber, tão genuinamente portuguesa, está na origem da Fundação Calouste Gulbenkian, com sede em Lisboa, desde 1955.
Efetivamente, Calouste Sarkis Gulbenkian visitou Portugal durante a 2.ª Guerra Mundial e gostou da paz e bem-estar que aqui pôde desfrutar escolhendo viver os últimos 13 anos de vida entre nós.
Calouste Sarkis Gulbenkian nasceu em Scutari, Istambul, a 23 de março de 1869, no seio de uma família de ricos comerciantes arménios fixados em Istambul. Os seus estudos prosseguiriam no King's College, em Londres, onde em 1887 concluiria o curso de Engenharia e Ciências Aplicadas.
Quatro anos mais tarde, fez uma viagem à Transcaucásia, para visitar os campos petrolíferos na região de Baku, na sequência da qual surgiu uma publicação que levou o governo do Império Turco Otomano a convidá-lo para elaborar um Relatório sobre os campos petrolíferos do Império. E começava assim o envolvimento deste homem, dinâmico e hábil negociador, nos interesses petrolíferos. Mobilizou para este negócio os interesses ingleses e franceses no 1.º quartel do século XX.
A sua vida passá-la-ia mais no Ocidente, entre Londres (em 1902 opta mesmo pela nacionalidade britânica) e Paris, sempre ligado ao Oriente e ao negócio do petróleo, onde tinha interesses diretos e de que foi um dos precursores, bem como um importante intermediário entre o Oriente e o Ocidente, não só na causa comercial, mas também na causa política e social.
E foi no âmbito deste intercâmbio que um dia veio a Lisboa. Estávamos em plena 2.ª Guerra Mundial (1942). Entrou em Portugal a convite do embaixador português em Paris. O destino era os Estados Unidos da América, mas Calouste adoeceu, teve de permanecer mais tempo do que queria e isso foi o suficiente para poder apreciar a paz e conhecer a gentileza do povo português.
Assim, a sua residência fixar-se-ia em Lisboa, no Hotel Aviz. A sua forma de ser granjeou-lhe, oito anos depois (1950), a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, com que foi agraciado pelo Estado português.
Três anos mais tarde, a 18 de junho de 1953 – fez agora 59 anos –, Calouste Sarkis Gulbenkian assina o testamento que determina a criação da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, donde extraímos os seguintes excertos:
«No ano de mil novecentos e cinquenta e três, aos dezoito de Junho, em Lisboa e na Rua Latino Coelho, número três, aonde vim especialmente chamado para este acto, eu, o notário do concelho, Fernando Tavares de Carvalho, com cartório na Rua da Conceição, número cento e trinta e um, primeiro andar, perante mim, o sobredito notário e as duas testemunhas idóneas, ao diante nomeadas e assinadas, compareceu: Calouste Sarkis Gulbenkian nascido em Scutari, Istambul, actualmente súbdito britânico, filho de Sarkis Gulbenkian e de Dirouhi Gulbenkian, viúvo, proprietário e domiciliado em Lisboa, nesta casa, pessoa do meu conhecimento e cuja identidade certifico (…)
Que, todavia, no que respeita à Fundação a que mais tarde fará referência, pretende que a sua criação, assim como o seu funcionamento sejam regulados, exclusivamente, pela lei portuguesa, uma vez que é nos termos desta lei que ele deseja institui-la e que a mesma seja mantida; (…)
Pelo presente testamento é criada, nos termos da lei portuguesa, uma Fundação, que deverá denominar-se «Fundação Calouste Gulbenkian». As bases essenciais dessa Fundação são as seguintes:
a) É portuguesa, perpétua, a sua sede é em Lisboa, podendo ter, em qualquer lugar do mundo civilizado, as dependências que forem julgadas necessárias;
b) Os seus fins são de caridade, artísticos, educativos e científicos; (…)
O património da “Fundação Calouste Gulbenkian” será constituído:
a) Por todos os bens da herança do testador, seja qual for a sua natureza e lugar da sua situação, a que, por este testamento ou outro posterior, ele testador não der destino diverso; (…)».
Calouste Gulbenkian morre, dois anos depois, em Lisboa, com 86 anos (a 20 de julho de 1955). O seu carácter filantrópico não pôde esquecer também o povo arménio, deixando-lhe verbas para proteção das comunidades arménias e para a expansão do seu culto religioso (Igreja Ortodoxa Arménia) que ele também professou.
Para muitos de nós nascidos nos meios rurais, a biblioteca itinerante Calouste Gulbenkian foi o primeiro contacto com uma diversidade de livros que de outra forma era completamente impossível. A sua fundação é uma referência na cultura portuguesa, dispondo de uma orquestra, bibliotecas, coro, salas de espetáculos e dois museus (Arte Antiga e Contemporânea). Obrigado, Calouste Gulbenkian.