Os primeiros soldados desembarcaram
em Lisboa a 23 de novembro de 1918
Há 98 anos, na manhã do dia 23 de novembro de 1918, chegavam a Lisboa, os primeiros combatentes portugueses, após a assinatura do Armistício, ocorrido 12 dias antes. Eram 485 militares do CEP, que bem poderiam ser titulados de “heróis” e de “vitoriosos”. Mas, apesar de ser Sábado, para além de alguns familiares e das entidades representativas do Estado e das Forças Militares, não havia mais ninguém para receber festivamente aqueles que tanto tinham sofrido na frente de combate, ao serviço da Pátria. A bordo vinha também, aquele que poucos anos depois se haveria de cobrir de glória, o então capitão tenente piloto aviador da Armada, Artur de Sacadura Freire Cabral que em 1922 fez, com Gago Coutinho, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.
A imprensa cumpriu bem a sua missão. O jornal “A Capital”, por exemplo, carregou nos diversos títulos da notícia: como antetítulo escolheu “Ditosa Patria que taes filhos tem”, como título propriamente dito, “O Regresso dos Heroes” e subtítulo “Voltaram hoje da França amada, soldados portuguezes”. Elogia os heróis que regressam da Guerra que venceram e critica o povo de Lisboa que não os recebe condignamente.
«O coração ainda nos estremece do commoção. Fômos assistir, ha poucas horas ainda, ao desembarque dos nossos soldados, que da terra sagrada da França, cobertos de gloria, cheios de honra, regressam alegres, depois da Victoria.
A muitos d’elles foi um acendrado patriotismo que para lá os arrastou, a crepitar no altar a chamma ardente dos grandes ideaes; outros partiram porque o dever lhes apontou esse caminho, á primeira vista eriçado de escolhos, repleto de perigos, no termo, afinal, tapetado de honras e de heroismos.
Muitos por lá ficaram a dar á terra de França, que a botifarra prussiana calcou sacrilegamente, o vigor indomável do seu sangue em que estuam enthusiasmos incendidos, em que ardem, em palpitações de chamma, as virtudes guerreiras que fizeram da Raça o prototipo da Valentia, da Lealdade, da Honra.
Regressaram os heroes, simplesmente, sem alarido, quasi sem enthusiasmo. A população do Lisboa, que outr’ora vibrava em enthusiasmo nos grandes dias, não os foi receber festivamente – como devia, como era dever imperioso de todos nós, cujo futuro, com o seu sangue e o seu braço, elles garantiram solidamente. Dir-se-hia, na quasi indifferença que observámos, ter-se quebrado na alma do lisboeta aquella corda tão sensivel, tantas vezes clangorando sons magestosos de epopeia, nas occasiões solemnes em que o delirio dos grandes momentos o tomava todo.
Aparte pessoas das famílias dos soldados, viam-se apenas alguns curiosos o duas ou tres pessoas que o dever do officio para lá obrigou a ir – áquella maçada, como ouvimos, indignados, a uma d'ellas.
No emtanto, os nossos heroicos soldados, indifferentes á frieza da recepção vinham alegres, prazenteiros (…).
Dos regressados 15 são officiaes, 19 sargentos e 451 cabos e soldados. D’estes 1 é mutilado, 52 tuberculosos, 5 doidos, 201 doentes de molestias geraes, 167 licenceados pela junta, 6 licenceados de campanha e 38 condemnados, alguns em penas graves».
Razão tinha o Padre José Ferreira de Lacerda, Alferes capelão-militar da 3.ª Brigada de Infantaria e Diretor de O Mensageiro, de Leiria, que aí fez publicar alguns artigos escritos na Guerra, com o título geral «Em Campanha». No artigo saído a 1 de agosto de 1917, e escrito a 20 de julho de 1917 afirma: «Conheço o nosso soldado, actualmente, desde a caserna até às trincheiras, desde o sobrado da casa que nos serve de capela e onde centenas e centenas deles, todos os dias, vão orar, buscar alentos, revigorar a fé, até ao momento em que os vejo saltar a trincheira, altas horas da noite, para seguirem ou voltarem de alguma patrulha ou raid. Sempre risonhos, sempre valorosos. Não há soldados como os nossos. (…) O povo é inconsciente, é a eterna criança. Às horas que eles aí dançam e cantam, estão os irmãos e os filhos a cair varados por balas, estilhaços de morteiros e gazes. Não calcula o que sinto, o sofrimento do nosso soldado. E são tão bons, tão dóceis! Que impressão ao verem a morte sempre diante deles! (…)».