Recordando a participação portuguesa na 1.ª Guerra Mundial
Foi há 91 anos a trágica Batalha de La Lys
Em 1914, quando se iniciou a 1.ª Guerra Mundial, Portugal era um dos 3 países europeus que tinha como regime político uma República. O governo republicano português considerou inevitável a participação portuguesa nesta Guerra, por três ordens de razões: a velha aliança com a Inglaterra, a defesa das nossas colónias africanas e a simpatia pelos regimes políticos dos países que se batiam contra as “potências centrais” governadas por regimes autoritários.
O nosso esforço de guerra foi grande, sobretudo em França, em Moçambique e em Angola. Saldou-se por um enorme endividamento público que trouxe grandes dificuldades financeiras à República que, de crise em crise (política, económica e social), sucumbiria em 28 de Maio de 1926, perante uma ditadura militar, que evoluiria, a partir de 1933, para o “Estado Novo” salazarista e marcelista, que só findou com a revolução de “25 de Abril de 1974”.
As baixas humanas portuguesas na 1.ª Guerra Mundial foram uma consequência ainda mais terrível: 2000 mortos em França (em dois anos de guerra); 4811 mortos em Moçambique (ao longo de 4 anos de combates); 810 mortos em Angola (durante os dois anos de luta). Feridos e incapacitados foram quase 15000 e os desaparecidos atingiram cerca de 6000.
Para esta grande perda humana, a Batalha de La Lys, foi, sem dúvida, a que mais contribuiu e em menos tempo.
Passadas que são mais de 9 décadas (consulte-se a cronologia do Corpo Expedicionário Português 1917-1918), sobre o maior “desastre” militar português, só comparável à Batalha de Alcácer Quibir, há 431 anos, vale a pena recordá-lo, ainda que de forma sintética.
Efectivamente, ontem, dia 9 de Abril de 2009 comemorou-se o 91.º aniversário da Batalha de La Lys, que marcou tragicamente a participação portuguesa na “Frente Ocidental” da 1.ª Grande Guerra, tantos foram os mortos, os feridos e os desaparecidos em combate.
Nesta batalha, a frente de combate estendeu-se por 55 quilómetros, estando o lado dos Aliados guarnecido pelo 11.° Corpo Britânico, do qual faziam parte 84000 homens, entre os quais cerca de 20000 portugueses que integravam a 2.ª divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), superiormente comandado pelo general Gomes da Costa.
Oito divisões do 6.º Exército Alemão, pretendiam concretizar a ofensiva alemã, que visava ultrapassar o rio Lys e tomar as cidades de Calais e Boulogne-sur-Mer. Os alemães iniciaram um violento bombardeamento de artilharia cerca das 4 horas e 15 da madrugada e apenas em 15 minutos destruíram todas as comunicações por fio entre a “frente” e o quartel-general português. O assalto às trincheiras portuguesas ocorreu por volta das 7 horas. Quatro divisões alemãs, isto é, cerca de cem mil homens, avançaram contra 20000 portugueses.
Apesar de vários exemplos de resistência verdadeiramente heróica, especialmente por parte da 4.ª brigada portuguesa, a verdade é que os soldados portugueses são submersos por esta ofensiva maciça.
Acho pertinente recordar, neste momento, um dos muitos combatentes portugueses que participou nesta trágica batalha – o meu avô materno – José Simões Peras, que viria a falecer com 98 anos de idade.
Contava ele que seu pai, quando chegou a altura do filho ser incorporado pagou um determinado montante, para que ele fosse substituído por outro, prática pelos vistos frequente no início do século XX. Mas, como entretanto se declarou a guerra foi mobilizado, 1.º para Moçambique, mais tarde para a Frente Ocidental, na Flandres francesa. Foi aqui que o seu espírito ficou dramaticamente marcado para toda a vida. Passou por situações de grande aflição, em que, por vezes, era o único sobrevivente e em que teve de comer erva como as ovelhas para matar a fome. Condecorado com a Cruz de Guerra, ficou com problemas graves na vista por volta dos 30 anos, em resultado dos gases que o inimigo alemão atirava sob as trincheiras aliadas.
Nos tempos de descanso, registava as suas memórias, escrevendo um livro que depois andou de mão em mão, e assim se perdeu, sem que eu tivesse alguma vez a oportunidade de lê-lo.
Mas ouvi-lhe muitas histórias, porque a memória delas ficou bem viva até aos seus últimos dias!
As tropas portuguesas, ao longo das intermináveis primeiras quatro horas das trinta que a batalha durou, perderam à volta de 7500 homens, contando mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, entre os quais 327 oficiais e muitas centenas de sargentos.
Há que recordar que os portugueses entraram nesta Guerra, ao lado dos ingleses, porque seus aliados. Nas trincheiras, onde a sobrevivência era dura (frio, fome e humidade), estavam soldados portugueses misturados com os ingleses numa convivência difícil, dada a dificuldade de comunicarem por desconhecimento mútuo das línguas (é preciso lembrar que muitos soldados portugueses nem o ensino primário tinham e, por isso, o desconhecimento da língua inglesa era absoluto).
O exército português desmoralizado e inferior em número foi esmagado. Entre as várias razões que explicam essa estrondosa e dramática derrota são, normalmente, apontadas as seguintes: o facto das tropas inglesas terem recuado nas suas posições, deixando mais vulneráveis os flancos do CEP; o golpe militar sidonista de Dezembro de 1917, que quase abandonou os combatentes portugueses à sua sorte, não fazendo a prevista substituição dos soldados portugueses na “frente”; Sidónio Pais chamou a Portugal muitos oficiais com experiência de guerra que não regressaram ao seu posto de comando e lá fizeram falta; o armamento alemão era muito melhor em qualidade e quantidade que o português e o inglês; e o ataque alemão foi desferido no dia em que as tropas portuguesas tinham recebido ordens para irem para posições à retaguarda.
A terminar, uma palavra para a situação de guerra que os portugueses viveram também nas colónias africanas de Angola e Moçambique, que foram atacadas por soldados alemães e, obrigaram, por isso, ao envio de cerca de 31000 expedicionários metropolitanos e cerca de 3000 africanos para as defender. As vítimas da guerra em África já foram referidas acima.
Finda a Guerra, Portugal teve lugar nas negociações para a paz, na condição de vencedor, mantendo as suas colónias durante mais cinco décadas e meia, mas perdeu a liberdade e a democracia durante quase meio século.
CRONOLOGIA DO CORPO EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS (1917-1918)
17.1.1917 - O CEP é mandado organizar, como uma Divisão de Infantaria reforçada.
30.1.1917 - A 1.ª Brigada do CEP, sob comando do general Gomes da Costa sai do Tejo a bordo de três vapores britânicos.
2.1.1917 - As primeiras tropas portuguesas chegam a Brest, porto na Bretanha, onde desembarcam.
8.2.1917 - As tropas portuguesas chegam à zona de Thérouane, na Flandres francesa, que será o local de concentração da divisão do CEP.
23.2.1917 - Parte para França o segundo contingente do CEP
4.4.1917 - As primeiras tropas portuguesas entram nas trincheiras. É morto o primeiro soldado português em combate, António Gonçalves Curado.
20.4.1917 - O CEP, concentrado no Norte de França, é reorganizado enquanto Corpo de Exército.
21.5.1917 - O general Norton de Matos, ministro da Guerra, chega a Londres, para regular com o governo britânico a disponibilização de navios para transporte dos reforços militares para o CEP.
30.5.1917 - A 1.ª brigada de infantaria, da 1.ª divisão do CEP, ocupa um sector na frente de batalha.
4.6.1917 - Primeiro ataque alemão ao sector defendido pela 1.ª brigada portuguesa.
16.6.1917 - A 2.ª brigada de infantaria ocupa o seu sector na frente de batalha.
10.7.1917 - A 1.ª Divisão do CEP assume a responsabilidade da sua parte do Sector Português na linha da frente. Estará subordinada ao XI Corpo de Exército britânico comandado pelo general Haking.
31.7.1917 - Terceira batalha de Ypres. O 2.º Exército britânico começa uma ofensiva na zona de Ypres, na Flandres belga, a norte do sector português da frente.
14.9.1917 - O alferes miliciano Gomes Teixeira, à frente do seu pelotão, realiza o aprisionamento de quatro soldados alemães; o primeiro realizado por tropas portuguesas na frente ocidental.
23.9.1917 - A 4.ª brigada de infantaria (a «Brigada do Minho»), parte da 2.ª divisão, entra em sector na linha da frente.
11.10.1917 - Bernardino Machado, presidente da República, chega à zona de concentração do CEP em visita às tropas na frente.
13.10.1917 - Cerimónia de entrega das primeiras Cruzes de Guerra ao CEP. Serão condecorados 10 oficiais, 8 sargentos e 27 cabos e soldados.
5.11.1917 - O Comando do CEP assume a responsabilidade da defesa do Sector Português na frente. Estava subordinado ao 1.º Exército britânico, comandado pelo general Horne.
26.11.1917 - A 2.ª Divisão do CEP assume a responsabilidade da sua parte do Sector Português na frente.
Fevereiro de 1918 - O CEP lamentava 35 mortos, 89 feridos e 44 gaseados.
Março de 1918 - O n.º de mortos eleva-se a 255, 633 feridos e 741 vitimas de gás.
21.3.1918 - Começo da ofensiva alemã na Frente Ocidental, conhecida por «Kaiserschlacht». .
27.3.1918 - O CEP deveria ter começado a ser rendido. A ofensiva alemã no Somme impede a rendição.
6.4.1918 - É aprovada a reorganização do CEP. A 2.ª divisão, reforçada, tomaria conta do sector português.
9.4.1918 – Dá-se a batalha de La Lys com uma prolongada barragem de artilharia alemã. A 2.ª divisão do CEP é destruída no decurso da batalha.
13.4.1918 - A 1.ª e 2.ª brigadas de infantaria retiram para a nova linha de defesa em construção entre Lilliers e Stennberg.
6.6.1918 - A 6.ª divisão americana contra ataca o exército alemão. É a 1.ª intervenção de uma unidade americana na frente ocidental.
4.7.1918 - A 1.ª Divisão do CEP passa a estar subordinada ao 5.º Exército britânico, comandado pelo general Birdwood.
25.8.1918 - O general Garcia Rosado assume o comando do CEP, em França.
14.10.1918 - O caça-minas Augusto de Castilho, comandando pelo comandante Carvalho Araújo é torpedeado por um submarino alemão.
11.11.1918 - O Armistício proposto pelos aliados é aceite pela Alemanha.
9.12.1918 - Parte para Cherburgo, porto de embarque, o primeiro contingente de tropas do CEP que regressam a Portugal.