O CÔNSUL DE PORTUGAL EM BORDÉUS HOMENAGEADO
PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Faz hoje (3 de abril) 63 anos que morreu em Lisboa, no Hospital dos Franciscanos, o benemérito Aristides de Sousa Mendes.
Nascera 69 anos antes na aldeia de Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu. Como o intrépido chefe lusitano que dá nome à sua aldeia natal se imortalizou pela luta tenaz e sistemática contra o invasor romano, também Sousa Mendes ficará para sempre como o nome de um honroso português, do século XX, que exorbitou as suas funções de Cônsul de Portugal, em Bordéus, para salvar milhares de pessoas que fugiam do terror perpetrado por Hitler, durante a 2.ª guerra mundial, nos territórios ocupados.
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches era oriundo de uma família rural com posses, de tendência conservadora. Depois de frequentar o curso de Direito na Universidade de Coimbra, e enveredando pela carreira diplomática, realizou várias missões consulares ao serviço de Portugal, em vários países, entre eles: Zanzibar, Brasil, Estados Unidos, Guiana e Bélgica.
Foi, porém, como Cônsul de Portugal, em Bordéus, no tempo da 2.ª Guerra Mundial, que a sua ação se tornou merecedora dos maiores elogios. Estávamos no princípio do 2.º grande conflito que o mundo conheceria, volvidas apenas duas dezenas de anos sobre o 1.º. Nesta fase do conflito, claramente favorável às tropas do “Eixo”, Salazar não pretendia desagradar a Hitler, o grande senhor da guerra daquele momento, e deu ordens expressas ao seu Cônsul em Bordéus, para ser cuidadoso nos vistos a conceder, cumprindo as determinações do chefe do Governo.
Mas, Sousa Mendes, que preferiu orientar-se pela sua consciência de grande humanista, desafiou claramente as ordens de Salazar e, num curtíssimo espaço de tempo, passou mais de 30 mil vistos a fugidos do terror nazi, permitindo a sua fuga, através de Portugal. Destes 30 mil, seguramente um terço eram judeus.
Aristides Sousa Mendes sabia seguramente que não ficaria impune ao desrespeitar de forma consciente as orientações recebidas por parte do ditador português. No regresso forçado a Lisboa, enfrentou um processo disciplinar que ditaria forçosamente o seu afastamento da carreira diplomática, o fim de uma vida desafogada, para começar a conhecer sérios problemas financeiros, tanto mais notados pelo facto de ter uma família grande, 14 filhos. Pelo bem-fazer acabou “castigado”, marginalizada a sua família e morreu praticamente na miséria, no dia 3 de abril de 1954. Na pseudodefesa apresentada no processo que lhe foi instituído, chegaria a declarar que o seu único objetivo era realmente salvar toda aquela gente, cuja aflição era indescritível.
Felizmente, depois do “25 de Abril”, ao menos o seu nome e obra passaram a ser conhecidos pelo povo português como dignos de justos encómios que só o tornam um nome honrado aos olhos dos portugueses pelos valores que a sua ação corajosa bem evidencia.
Tão digna de mérito foi a sua atitude, que o realizador Francisco Manso trouxe, há alguns anos e muito justamente, para o cinema a exemplar gesta de “O Cônsul de Bordéus”.
Sabe-se que grande parte dos judeus, a que Aristides Sousa Mendes passou os vistos, se dirigiu para os Estados Unidos da América e dali se mudaria, mais tarde, para o novo estado de Israel, fundado logo após o final da 2.ª Guerra Mundial.
A premiar a sua enorme coragem, Sousa Mendes seria agraciado, em 1966, já a título póstumo, com o galardão de “Justo entre as Nações”. Mas, repetimos, o seu modelar gesto de altruísmo valeu-lhe um resto de vida difícil e sujeito à solidariedade de algumas famílias judaicas que o ajudariam a sobreviver.
Estas dificuldades contrariam claramente algumas inverdades que a seu respeito se disseram e escreveram, designadamente que a maratona de vistos passados em meados de 1940 se fez tendo em vista os emolumentos a receber, quando se sabe que ele prescindiu de muitos a que teria direito.
Curioso é também o facto de Salazar, mais para o final do conflito, já com a certeza de quem seriam os vencedores e o grande derrotado, ter permitido ao embaixador português de Budapeste, o seu precioso auxílio na “salvação” de alguns judeus de morte certa. Já quase no final da guerra, quando a Hungria se pretendeu afastar da ligação à Alemanha de Hitler, este fez substituir o governo húngaro e agiu com enorme violência sobre a comunidade judaica local. Valeram nesse caso, a muitas centenas de judeus húngaros, os embaixadores portugueses Carlos de Almeida Fonseca Sampayo Garrido (1939 - 1944) e Carlos Alberto de Liz-Teixeira Branquinho (logo a seguir), o primeiro dos quais também foi distinguido, igualmente a título póstumo, com a medalha de “Justo entre as Nações”, pela israelita Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto.
Merece também destaque, hoje – dia 3 de abril de 2017 – a homenagem que, a título posto, o atual Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, concede a Aristides Sousa Mendes atribuindo-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.