ERMESINDE – evolução histórica
A Conferência que proferi na Biblioteca Municipal de Valongo, no dia 24 de Abril de 2009, teve por base estas notas da história de Ermesinde, que aqui deixo em duas partes.
Localização
Ermesinde, promovida a vila há mais de 70 anos, elevada a cidade há mais de 20 anos é uma Terra em constante progresso e crescimento, feita de gente laboriosa, que ao longo dos últimos séculos ali se fixou dada a proximidade da cidade do Porto, onde trabalham muitos deles.
Ermesinde é, das cinco freguesias que constituem o concelho de Valongo, a mais pequena em área – cerca de 7 km2 – e, simultaneamente, a mais urbana e populosa – cerca de 60 mil habitantes.
A freguesia de Ermesinde ocupa o Noroeste do Concelho de Valongo, faz fronteira com S. Pedro Fins e Águas Santas (do concelho da Maia), com a freguesia de Baguim do Monte (do concelho de Gondomar), e com as freguesias de Valongo e Alfena.
Dotada de terra praticamente plana – com pequenas elevações aqui ou ali – numa grande extensão, demarcada a Nascente pelas serranias de Valongo e da Agrela, é irrigada abundantemente pelo Leça e por outros pequenos ribeiros (Asmes, Tinto, Agras e Balsinha), o que, associado ao clima ameno, lhe deu sempre enorme fertilidade. Tais características foram aproveitadas pelo homem, que por aqui se fixou muito antes da nacionalidade.
No contexto do secular fenómeno da Reconquista Cristã, ter-se-ia repovoado e colonizado esta zona, rica pela fertilidade do seu terreno, e próxima da cidade do Porto, onde, rapidamente, poderiam ser colocados os seus excedentes agrícolas.
Segundo alguns autores, estas terras teriam sido pertença dos Mosteiros de Águas Santas e de Santo Tirso, e de D. Ermezenda (donde derivaria o nome de Ermesinde que, até ao século XX, foi apenas um dos lugares da freguesia) – Abadessa do Mosteiro de Rio Tinto. Há, no entanto, quem afiance que a D. Ermezenda que dá nome a Ermesinde seja a D. Ermezenda Guterres, de finais do século IX, princípios do século X, que casou com o Conde Hermenegildo Guterres, a quem D. Afonso III (o Magno), Rei de Leão, incumbiu de governar as terras de Tuy, Porto e Coimbra.
À semelhança do que sucedia com outras terras da Região e do Reino, as terras férteis de S. Lourenço de Asmes repartiam-se entre o Rei e os Mosteiros da Região.
Antigos documentos referentes a S. Lourenço de Asmes e a Ermesinde
As Inquirições de 1258, referentes a Ermesinde e a S. Lourenço de Asmes comprovam a propriedade das terras, tanto como a existência da Paróquia de Ermesinde já nessa data, quando muitos julgavam que a mesma só teria surgido no século XVII.
A origem de S. Lourenço de Asmes parece ter sido junto ao Ribeiro de Asmes (também conhecido por Ribeiro de Sonhos), afluente da margem direita do Rio Leça, cujos campos eram bastante férteis.
A região de Ermesinde só ficou completamente livre dos conflitos inerentes à Reconquista Cristã, no século XI, e, portanto, só a partir daí é que de novo a aldeia foi renascendo, feita de gente que veio trabalhar os campos de Asmes, para entregar a maior parte da produção – sob a forma de rendas e de dízimas – ao Rei e aos Mosteiros que, nesta Região, compartilhavam as terras e a gente rural. Estes Mosteiros foram, como demonstram as Inquirições, os de Águas Santas e o de Santo Tirso.
Durante a Idade Média, a aldeia de Asmes foi-se tornando maior, as casas agrícolas multiplicavam-se, tanto aqui como nos restantes núcleos agrícolas em redor das margens do Leça e dos seus afluentes.
No princípio da Idade Moderna, as características de povoação rural mantiveram-se. Conforme se poder ver pelos foros que pagavam os residentes, a maior parte das terras pertencia então ao Mosteiro de Santo Tirso.
Pela nova Carta de Foral dada por D. Manuel à Maia (a que pertencia a paróquia de S. Lourenço de Asmes), em 1519, conhecem-se os foros e tributos pagos pelos casais aqui residentes.
De ano para ano, surgiam outras casas, outros lavradores que tiravam da planície do Leça o seu sustento, contribuindo, ainda, com os seus parcos excedentes para alimentar a cidade do Porto que crescia cada vez mais, com o desenvolvimento do comércio português e com o êxodo rural que, então, se encaminhava para as cidades do Litoral, onde se adivinhava uma vida menos dura e de maiores rendimentos.
Segundo o Padre Domingos A. Moreira, a Paróquia de S. Lourenço de Asmes já existia no século em que Portugal se individualizou como Reino, ou seja no século XII, inserida no Arcediago da Maia. Nas “Terras” e “Comarcas Eclesiásticas” da Maia se manteve até 1916, data em que se integrou na Vigararia de Valongo.
O edifício da Igreja Matriz, tendo como orago o mártir S. Lourenço, terá, provavelmente, acompanhado a evolução urbana da própria paróquia. É possível que o primeiro templo dedicado a S. Lourenço tenha existido nas proximidades dos Campos de Asmes, e que, mais tarde, tenha passado pela Ermida, actualmente de invocação de S. Silvestre, e que, finalmente, no século XVIII, tenha sido erigida a Igreja Matriz de S. Lourenço de Asmes no local onde hoje se encontra um novo templo, edificado já na segunda metade do século XX.
A Paróquia de S. Lourenço de Asmes, para além da aldeia que lhe dá o nome, integrava, com certeza, as aldeias e núcleos agrícolas vizinhos, como Vilar, S. Paio, Ermesinde, Costa, Arregadas, Alto de Sonhos, Sá, Palmilheira e Travagem.
Quando o regime liberal ficou circunscrito a uma das ilhas dos Açores (Ilha Terceira), a Regência sedeada na cidade de Angra do Heroísmo, através do Decreto n.º 25, de 26 de Novembro de 1830, criou pela primeira vez as Juntas de Paróquia, entendidas como corpos administrativos, nomeadas pelos moradores na Paróquia e com o objectivo de promover e administrar os “negócios que forem de interesse puramente local”.
Após o triunfo do Setembrismo surgiu, sob o Decreto de 31 de Dezembro de 1836, o primeiro Código Administrativo Português, que retomou a ideia da criação das Paróquias Civis (já tentada pela Regência Liberal da Ilha Terceira, e devidamente legislada pela Reforma de Rodrigo da Fonseca em 1835, com a Lei de 25 de Abril), tomando assim em consideração a existência dos mais pequenos núcleos de população que se haviam formado em torno das respectivas igrejas paroquiais. Foi também uma forma de diminuir as despesas públicas ao reduzir significativamente o número de concelhos.
No dia 24 de Julho de 1867, a Junta da Paróquia de S. Lourenço de Asmes, realizou uma sessão com o propósito de dar solução a este problema, e fê-lo propondo a união das paróquias de S. Lourenço de Asmes e de S. Vicente de Alfena, cabendo a sede da nova Paróquia Civil à primeira.
A Paróquia Civil de Ermesinde e Alfena acabou por não se constituir, já que a “Janeirinha” inviabilizou a concretização daquela legislação.
As Paróquias como núcleos de base da organização civil do território, só existiram efectivamente após 1878, com a entrada em vigor da reforma de António Rodrigues Sampaio, que previa que o Presidente e Vice-Presidente fossem civis, escolhidos entre os vogais eleitos.
Se durante o século XVIII, a vida decorreu sem mais contratempos do que aqueles que ocorreram a nível nacional e que aqui tiveram naturalmente as suas repercussões, havendo a registar até uma melhoria significativa na alimentação com o consequente aumento da esperança de vida, graças à expansão do cultivo do milho, transformado em farinha nos moinhos do Leça, e feito pão com a ajuda da magnífica água que aqui brotava e com que era amassado, pior sorte haveria de caber às gerações posteriores, mormente àquelas que aqui viveram na primeira metade do século XIX.
Logo no princípio do século foram as Invasões Francesas, e, sobretudo de má memória para a gente que aqui vivia, há-de ter sido a segunda, quando o General Soult, obedecendo ao seu Imperador Napoleão Bonaparte, aqui chegou à frente de 80 mil soldados, e no Porto se deu o trágico desastre da Ponte das Barcas cujo bicentenário se evocou há menos de um mês.
Na conjuntura das invasões francesas, o Secretário de Estado do Reino enviou directrizes aos superiores das Congregações Religiosas em Portugal, para que tomassem providências com os objectos em ouro e prata, guardando-os em lugares seguros.
O Prior do Convento da Mão Poderosa, Fr. João de Santa Cecília, foi notificado da ordem em Outubro de 1807. Embora não se tenham certezas é provável que as alfaias religiosas em ouro e prata do Convento da Formiga tenham sido recolhidas no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (era um dos três locais aconselhados pelo Governo português para se esconderem esses “tesouros”, os outros eram Tomar e Palmela, que ficavam muito mais distantes), donde, estamos convictos, nunca mais regressaram.
Na altura da extinção das Ordens Religiosas (1834), os objectos em ouro e prata que constavam da Relação dos Bens entregues pelo Convento da Mão Poderosa, valiam duzentos e noventa e nove mil, duzentos e oitenta e quatro réis.
Em meados de 1808, surgem várias insurreições populares contra a ocupação francesa na sequência da primeira invasão. O Porto dá o exemplo, ao substituir a bandeira do invasor pela portuguesa. O espírito de revolta alastra ao país inteiro.
A população de Ermesinde, mobilizada pelo toque dos sinos da Igreja de Santa Rita, comparece, segundo Serralves (Ermesinde / Ontem e Hoje, p. 5), em grande número no largo fronteiro à Igreja e «dá largas ao seu entusiasmo contra a vil canalha». Mais adiante, o mesmo autor acrescenta: «nas refregas das tropas regulares nas escaramuças ocasionais, quase anárquicas dos camponeses que se batem, Palmilheira e Baguim aparecem como centros principais de ataque e resistência aos franceses e afrancesados».
Ainda ocorreriam mais duas invasões (1809 e 1810/1811), mas o exército português, com auxílio dos ingleses, acabaria por afastar definitivamente os franceses do nosso território. Ficaram os ingleses a dominar-nos, mas o Porto, mais uma vez, resolveu o problema, ao preparar e executar a Revolução de 24 de Agosto de 1820.
Em 1828, com D. Miguel, regressou o Absolutismo a Portugal. Mais uma vez o Porto teve um papel primordial, no combate pela Liberdade.
De 1832 a 1834 travou-se a Guerra Civil, entre Liberais e Absolutistas. Toda a região envolvente do Porto foi nestes anos molestada pelas guerras dos Liberais que corajosamente se defendiam do Cerco que os Absolutistas lhe preparavam. Estas Terras serviram pois de palco às batalhas e aos movimentos militares que se desenrolaram entre os dois irmãos desavindos: D. Pedro, pelo lado dos Liberais, D. Miguel, pela parte dos Absolutistas.
Ainda hoje existe, no lado direito da escadaria que leva à Igreja de Santa Rita, uma lápide que assinala o sarcófago onde repousam os restos mortais desses soldados que tiveram a desdita de cair na luta fratricida que cobriu de luto muitas famílias portuguesas.
AQUI REPOUZAM os restos mortais de humildes e desconhecidos soldados que, sacrificados nas lutas liberaes entre d. pedro e d. miguel pela ocasião do cêrco do porto (1832-1834) foram sepultadosem vala comum no adrod’esta egreja. / R.I.P. |
A integração de S. Lourenço de Asmes no novo Concelho de Valongo
As guerras civis terminaram com o triunfo de D. Pedro e dos Liberais. Em 1836, pouco tempo após a derrota de D. Miguel e dos Absolutistas, foi criado o Concelho de Valongo, como justa homenagem e gratidão ao povo valonguense que terá ajudado os liberais nesta contenda fratricida, como manifesta a própria Rainha D. Maria II que, ao promover Valongo a concelho, refere expressamente que esta terra lhe merece gloriosa recordação por ter sido daí que D. Pedro IV, seu pai, dirigiu a vitoriosa Batalha da Ponte Ferreira. Com a criação do Concelho de Valongo, a freguesia de S. Lourenço de Asmes foi desanexada do Concelho da Maia para integrar este novo Concelho.
Reconhecida, a Câmara de Valongo ofereceu à Rainha D. Maria II e ao seu séquito real, um almoço na Travagem no dia 18 de Maio de 1852. A Comitiva Real era constituída pela própria Rainha D. Maria II, por seu marido com o título de Rei, D. Fernando II, e pelos príncipes, que, mais tarde, viriam a ser reis de Portugal, D. Pedro e D. Luís.