Recordando o "general sem medo"
O grande furacão da política portuguesa aconteceu ainda Salazar ocupava a principal cadeira do poder. Refiro-me, obviamente, às últimas eleições presidenciais do Estado Novo, que ocorreram no dia 8 de junho de 1958. já lá vão 66 anos. Frente a frente, dois militares de topo: o almirante Américo Tomás, candidato do regime; e o general Humberto Delgado, que uniu toda a oposição em torno de si. Mas os resultados, controlados pela ditadura, só podiam ditar Humberto Delgado como presidente derrotado. Recordaremos os resultados no distrito do Porto.
No dia 8 de junho completaram-se 66 anos sobre a data em que Humberto Delgado foi a votos para a Presidência da República. Seriam as últimas eleições presidenciais dos governos de Salazar/Marcelo Caetano. Foi a primeira vez que, no período do Estado Novo, a oposição democrática conseguiu unir-se em torno de um candidato que tinha tudo para ganhar. Os resultados oficiais contradisseram os banhos de multidão que faziam prognosticar a vitória. E, se assim tivesse acontecido, a Democracia teria chegado mais cedo 16 anos e, muito provavelmente, não haveria guerra colonial e tudo aquilo que ela implicou, interna e externamente.
Humberto Delgado nasceu a 15 de maio de 1906, no concelho de Torres Novas e foi assassinado, pela PIDE, em 1965, na província de Badajoz (Espanha).
Frequentou o Colégio Militar (entre 1916 e 1922) e, mais tarde, a Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas.
Com 20 anos participou no movimento militar do dia 28 de Maio de 1926, responsável pelo derrube da República Parlamentar, e pela implementação de uma Ditadura Militar, que prosseguiria, politicamente, para o autodenominado Estado Novo, em 1933, sob liderança de António de Oliveira Salazar.
Em termos internacionais, Humberto Delgado representou Portugal nos acordos secretos com o Governo Inglês para a instalação das Bases Aliadas nos Açores durante a Segunda Guerra Mundial. Entre 1947 e 1950, representou Portugal na Organização da Aviação Civil Internacional, sediada no Canadá. Em 1952, foi nomeado Adido Militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos Representantes Militares da OTAN. Na sequência da realização do curso de altos comandos, onde obteve a classificação máxima, foi promovido a general (um dos mais novos generais portugueses de sempre) e passou a Chefe da Missão Militar junto da OTAN.
Durante muitos anos, Humberto Delgado apoiou as forças oficiais do regime salazarista mas tendo vivido no Canadá e nos Estados Unidos alguns anos, como se viu, o contacto com aqueles países democráticos e altamente desenvolvidos terá contribuído para alterar a forma como encarava a política portuguesa.
Assim, em 1958, Humberto Delgado resolveu candidatar-se às eleições presidenciais portuguesas como candidato independente. O 1.º contacto com a opinião pública (jornalistas portugueses e estrangeiros) aconteceu no dia 10 de maio, no salão de chá “Chave de Ouro”, em Lisboa. Foi aí que, durante a conferência de imprensa, o correspondente em Lisboa da Agência de Notícias France Press (AFP), Lindorfe Pinto Basto, fez a pergunta:
«– Se V. Ex.ª for eleito Presidente da República, qual será a sua atitude para com o sr. Presidente do Conselho?
– Demiti-lo! – respondeu com energia o general» – conforme se pode ler no “Diário de Lisboa” de 10 de maio de 1958, página 15.
Devido à sua coragem ao longo da campanha, nunca desistindo, mesmo em situações de repressão policial, ficou conhecido pelo epíteto de “general sem medo”. Os resultados oficiais ditaram a sua derrota em todos os distritos, apesar de lhe terem dado a vitória em 16 concelhos. No distrito do Porto o candidato da União Nacional, Américo Tomás, ganhou em todos os concelhos, exceto em Vila Nova de Gaia, onde o candidato da oposição conseguiu 52,7% dos votos.
A derrota e as ameaças consequentes da polícia política obrigaram Humberto Delgado a refugiar-se no Brasil. Contudo, mesmo fora do país continuou a luta contra o salazarismo, acreditando que o derrube do regime podia ser alcançado por meios pacíficos.
Mas as coisas não correram como esperava. Humberto Delgado foi atraído a uma armadilha montada pela PIDE, sendo assassinado por agentes daquela polícia, a 13 de fevereiro de 1965, perto de Olivença. Já depois do 25 de Abril, mais concretamente em janeiro de 1975, os seus restos mortais foram trasladados de Espanha para o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa e, no dia 5 de outubro de 1990 (80.º aniversário da Implantação da República em Portugal), seriam, finalmente, transferidos para o Panteão Nacional, na Igreja de Santa Engrácia.