VASCO DA GAMA
Chegada de Vasco da Gama à Índia
Em Agosto do de 1999 fez 500 anos que Vasco da Gama regressou a Lisboa, depois de ter conseguido realizar uma das viagens marítimas que mais glorificou Portugal – a Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia.
Pela primeira vez o velho continente punha-se em ligação directa e por mar com a Índia. Era o coroar de tantos esforços portugueses, nos últimos 80 anos.
O Atlântico substituía, definitivamente, o Mediterrâneo, como principal eixo do comércio marítimo mundial. Situação que se manteria inalterável até finais do século XX.
Vasco da Gama nasceu em Sines, por volta de 1468 e era filho ilegítimo de Estêvão da Gama, marinheiro que serviu D. João II. Vasco da Gama tornar-se-ia, com o tempo, um experimentado navegador. D. João II tê-lo-á encarregado de várias missões de responsabilidade, e há mesmo quem defenda que foi ainda este monarca a nomeá-lo para a viagem que haveria de fazer já no reinado de D. Manuel.
A armada, que sob as suas ordens haveria de chegar à Índia, era constituída pelas naus S. Gabriel e S. Rafael e pela caravela Bérrio, e ainda por um velho navio com mantimentos, que seria destruído quando não fosse mais necessário. A primeira nau era comandada pelo próprio Vasco da Gama, a segunda por seu irmão Paulo da Gama, e a terceira por Nicolau Coelho.
Sobre essa importante viagem é conhecido o “Roteiro” escrito por Álvaro Velho, donde se transcrevem algumas passagens (em português adaptado):
«8 de Julho – Partimos do Restelo, um sábado, que eram oito dias do mês de Julho da era de 1497, nosso caminho, que Deus Nosso Senhor deixe acabar em seu serviço. Ámen.
7 de Novembro – (...) Na terça-feira houvemos vista duma terra baixa e que tinha uma grande baía (...) à qual puseram o nome de Santa Helena. Na quarta-feira lançamos âncora na dita baía, onde estivemos oito dias limpando os navios e corrigindo as velas e tomando lenha. (...).
16 de Novembro – (...) Fomos em volta do mar e, ao sábado à tarde, houvemos vista do dito cabo da Boa Esperança.
1 de Dezembro – (...) Estando nós ainda na dita angra de São Brás, vieram cerca de noventa homens baços (...). E fomos em terra nos batéis, os quais levávamos muito bem armados (...).
3 de Dezembro – E daqui andamos tanto pelo mar, sem tomarmos porto, que não tínhamos já de comer, senão com água salgada. E, para nosso beber, não nos davam senão um quartilho, de maneira que nos era necessário tomarmos porto. (...)
22 de Janeiro – Uma segunda-feira, indo pelo mar, houvemos vista de uma terra muito baixa e de muitos arvoredos muito altos e juntos. E indo nesta rota, vimos um rio, e porque era necessário saber e conhecer onde éramos, ancorámos. (...)
E nós estivemos neste rio trinta e dois dias, em os quais tomámos água, e limpámos e corrigimos ao São Rafael o mastro. E aqui nos adoeceram muitos homens, que lhes inchavam os pés e as mãos, e lhes cresciam as gengivas tanto sobre os dentes que os homens não podiam comer.
E aqui pusemos um padrão, ao qual puseram o nome: Padrão de São Rafael; e ao rio: dos Bons Sinais.
14 de Abril – Um dia, ao sol-posto, lançámos âncora em frente dum lugar que se chama Melinde (...).
24 de Abril – (...) Partimos daqui com o piloto que El-Rei de Melinde nos deu para uma cidade que se chama de Calecut da qual cidade El-Rei tinha notícias (...).
20 de Maio – E ao domingo fomos juntos com umas montanhas, as quais estão sobre a cidade de Calecut; e chegámo-nos tanto a elas, que o piloto que levávamos as conheceu, e nos disse que aquela era a terra onde nós desejávamos de ir. E em este dia à tarde fomos pousar abaixo desta cidade de Calecut duas léguas (...).
28 de Maio – E ao outro dia pela manhã, foi o capitão a falar a El-Rei de Calecut e levou consigo, dos seus, treze homens, dos quais eu fui um deles. E todos íamos muito bem ataviados, e levávamos bombardas nos batéis, e trombetas e muitas bandeiras. E, logo que o capitão foi em terra (...), receberam o capitão com muito prazer (...).
Ali trouxeram ao capitão-mor umas andas (andor) de homens em que os honrados costumam naquela terra andar. E o capitão com toda aquela gente, após nós, a caminho de Calecut».
Por estes excertos do Roteiro da viagem de Vasco da Gama à Índia, fica-se, desde logo, com a ideia de que a expedição dos Gamas, não foi tarefa fácil. Como em quase todas as viagens das descobertas dos portugueses, os perigos, as privações, as doenças, as traições e os conflitos eram as etapas mais duras desse expansionismo que levou o povo luso aos quatro cantos do Mundo.
Partindo de Lisboa no princípio de Julho de 1497, chegou à Índia mais de 10 meses mais tarde (Maio de 1498). A data da chegada foi efusivamente comemorada, 500 anos depois, com a realização da EXPO 98, em Lisboa.
Os momentos mais complicados dessa viagem foram, sem dúvida, as privações de alimentos e de água doce, sentidas no princípio de Dezembro de 1497 (período de Verão, no hemisfério Sul), e as traições sofridas por Vasco da Gama, na Costa Oriental Africana (quando pretendia contratar um guia que o levasse ao seu destino, deram-lhe um impostor com o objectivo de fazer abortar a sua missão) e em Calecut. Se ao princípio foi recebido principescamente pelo Samorim, depressa este alterou a sua forma de proceder, certamente em resultado das intrigas dos mercadores muçulmanos (que dominavam o comércio na região), inimigos seculares dos portugueses e temendo que estes lhes retirassem o monopólio comercial das especiarias asiáticas.
Valeu, na circunstância, o facto de Paulo da Gama se encontrar no comando da esquadra portuguesa, ancorada ao largo de Calecut. Adivinhando a traição, começou a bombardear Calecut, até que o Samorim se viu obrigado a libertar Vasco da Gama.
Na torna-viagem, Paulo da Gama piorou subitamente, e Vasco da Gama rumou para a Ilha Terceira, onde seu irmão acabaria por falecer, tendo sido sepultado na Igreja de S. Francisco, em Angra. Tal como aconteceu com Paulo da Gama, um grande número de marinheiros portugueses, não regressou desta viagem com vida. Assim sucedeu, em quase todas as viagens.
A expansão portuguesa, pese embora a glória e riqueza que trouxe ao nosso país, foi sempre uma causa da perda trágica de homens.
Ao chegar a Lisboa, em Agosto de 1499, Vasco da Gama foi recebido em festa pelo povo e pelo rei, que o cumulou de dádivas (entre estas destaque-se a doação de trezentos mil réis de renda) e honrarias, atribuindo-lhe o título de “Dom”, extensivo também à sua família, e nomeando-o Almirante do Mar da Índia, ao mesmo tempo que lhe prometia o título de Conde.
Já depois do regresso da expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500, e após a recusa desse navegador em comandar uma nova viagem à Índia, em 1502, foi Vasco da Gama encarregado de comandar uma grande armada, constituída por 20 embarcações, para se vingar do tratamento que o Samorim havia dado aos portugueses, que mandou chacinar, depois de ter autorizado Pedro Álvares Cabral a estabelecer aí uma feitoria portuguesa.
A segunda expedição de Gama a Calecut exerceu, de facto, grandes represálias sobre essa cidade, mas firmou tratados de amizade com os chefes das cidades de Cochim e de Cananor, que estariam na base do domínio português daquela região nos anos seguintes.
Vasco da Gama casou com D. Catarina de Ataíde, de quem teve 7 filhos.
Já Conde da Vidigueira, Vasco da Gama ainda voltou à Índia, no ano de 1524, e como Vice-Rei, nomeado por D. João III, com a incumbência de lutar contra alguns abusos de fidalgos portugueses que, com as suas atitudes, estavam a pôr em causa o domínio português.
Com braço de ferro, a sua missão estava a ser concretizada plenamente. Contudo, em Dezembro desse ano de 1524, adoeceu em Cochim, onde viria a falecer, na véspera do Natal de 1524, tendo os seus restos mortais sido trazidos para Portugal (o seu túmulo está logo à entrada do Mosteiro dos Jerónimos).