A questão religiosa na República
Implantada a República em Portugal, a Igreja Católica foi vítima da perseguição dos revolucionários republicanos que não perdoaram o carácter conservador da religião católica apostólica romana, sem dúvida a confissão religiosa mais arreigada na tradição popular portuguesa. Em todo o País os bens da Igreja passaram a ser controlados pelo Estado.
Distantes um século destes acontecimentos revolucionários, parece-nos que os republicanos foram longe de mais na sua batalha contra a Igreja, pese embora a influência enorme que a Igreja tinha nas mentalidades, o que ia frontalmente contra os objectivos revolucionários que pretendiam mexer significativamente nas estruturas vigentes. Mas a Igreja reagiu com coragem às primeiras investidas.
Logo na véspera de Natal de 1910 foi distribuída uma pastoral colectiva do episcopado português onde denunciava a violência e o sectarismo anticatólico do novo regime.
E no dia 23 de Fevereiro de 1911, os Bispos tomaram posição, novamente em pastoral colectiva, contra o fim do juramento religioso, a expulsão das Congregações (devo lembrar que logo no dia 8 de Outubro de 1910 foi decretada pelo Governo Provisório da República a expulsão de 359 jesuítas portugueses, 118 dos quais eram missionários que trabalhavam nas colónias portuguesas), a lei do divórcio e restantes medidas anticlericais postas em prática pela república.
Afonso Costa, que exercia o importante cargo de Ministro da Justiça, proibiu a sua leitura nas Igrejas. A resistência a estas medidas estendeu-se a todo o país, nos anos de 1911 e 1912, levando o Governo a punir os prevaricadores com prisões e desterros para fora das respectivas dioceses.
Efectivamente no dia 20 de Abril de 1911 era publicada a Lei de Separação da Igreja do Estado, que logo no seu 1.º artigo, afirmava que a “A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda estrangeiros que habitarem o território português».
E o artigo 62.º da mesma lei declarava que «todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários” são pertença e propriedade do Estado e, portanto, devem ser arrolados e inventariados.
O arrolamento e inventário a que se refere o artigo anterior seriam feitos administrativamente, de paróquia em paróquia, por uma comissão concelhia constituída pelo administrador do concelho e escrivão de fazenda, que poderiam fazer-se representar por outros funcionários, sob sua responsabilidade, servindo o 1.º de Presidente e o 2.º de Secretario, e por um homem de cada paróquia, membro da respectiva Junta, e indicado pela Câmara Municipal para o serviço dessa freguesia. Os inventários deveriam começar no dia 1 de Junho de 1911 e concluir-se no prazo de três meses, feitos em duplicado, ficando um exemplar na Câmara Municipal à disposição de quem o quiser examinar e o outro enviado à Comissão Central pelo administrador do concelho.
Um padre republicano candidato por Viana do Castelo
Mesmo antes do 5 de Outubro havia sacerdotes que eram republicanos assumidos. Data de publicação:
Um deles é notícia no jornal O Século (de 22 de Agosto de 1910, página 1) pelo facto de ter havido uma proposta feita ao directório do Partido Republicano para que o candidato ao círculo eleitoral de Viana do Castelo fosse o Padre Manuel Pires Gil, em vez de Teixeira de Queirós, considerado um «republicano histórico que apresentou motivos para não ser agora proposto».
Refere aquele jornal o seguinte (a transcrição é feita em português actual para facilitar a compreensão dos leitores: «O rev. Gil é muito considerado em Viana pelas suas qualidades e saber. Escrupuloso nas suas funções civis, não o é menos nos seus deveres eclesiásticos. Sincero na sua fé política, é igualmente sincero na sua fé religiosa. Os reaccionários odeiam-no, mas a sua conduta irrepreensível contêm-nos em respeito».
É ainda dito que o Padre Manuel Gil, em artigos sucessivos publicados no jornal republicano de Viana - O Povo - mostrou brilhantemente que as ideias liberais eram compatíveis com todas as crenças.
Mesmo depois da implantação da República, muitos padres mantiveram as suas ideias republicanas
De acordo com o Relatório da Comissão Central de Execução da Lei da Separação, in Diário do Governo de 1911 a 1918 (cf. Vítor Neto, A Questão Religiosa na 1ª República/A posição dos padres pensionistas, in Revista de História das Ideias, nº 9, Coimbra, 1987), o distrito de Leiria, no que respeita ao número de Padres Pensionistas, com 49 sacerdotes a aceitarem a referida pensão, era o 5º a nível nacional (considerando os 21 distritos do continente e ilhas. O 1º distrito, com maior nº de padres pensionistas, era Beja, com 97; seguindo-se-lhe Lisboa, com 85; Guarda, com 63; Funchal, com 53; e Leiria, com 49.).
Dentro do distrito de Leiria, o concelho de Ansião era dos que revelava maior número de aderências à pensão por parte dos sacerdotes que, assim, demonstravam, na prática, terem aceitado colaborar com o regime saído do 5 de Outubro de 1910, quem sabe, influenciados pela acção de propaganda da Associação Republicana local. Das oito paróquias que constituem o concelho de Ansião, cinco dos respectivos párocos, aceitaram a pensão instituída pela República. Foram os seguintes: o pároco colado na freguesia de Vale de Todos, António Lopes Borrego; o pároco colado na freguesia de Ansião, José Rodrigues Portela; o pároco encomendado da freguesia de Alvorge, José Maria Nunes; o pároco encomendado do Avelar, Augusto Lourenço das Neves; e o pároco encomendado da Lagarteira, António Simões de Faria. Representam 62.5% dos párocos do concelho, quando no País, "a maioria dos párocos renunciou ao seu direito a pensões do Estado, e só menos de 20% as requereram”.