Há 200 anos o povo português vivia o fim de um pesadelo
O horror das invasões francesas é uma memória ainda bem viva em todo o País
Os exemplos da Revolução Americana (iniciada em 1776) e sobretudo, da Revolução Francesa (começada em 1789 e que aqui recordámos na última edição) foram seguidos em vários países europeus, designadamente em Portugal e Espanha. Normalmente, estas revoluções eram levadas a cabo pelas forças políticas progressistas (constituídas maioritariamente por burgueses) e visavam a transformação das monarquias absolutas em monarquias constitucionais, em que um texto escrito – a Constituição – dividia os poderes e garantia, pela primeira vez, um conjunto de direitos ao povo.
Também na Europa, em resultado do congresso de Viena (1814 - 1815) que impôs fronteiras “artificiais” a alguns impérios e não respeitou nacionalismos existentes, se registou, nalgumas regiões um movimento nacionalista que está na origem do aparecimento de novos países que se separaram dos impérios a que antes pertenciam (por exemplo, a Grécia e a Sérvia separaram-se do Império Turco), ou na formação de novos países resultantes de um movimento unificador (casos da Itália e da Alemanha). Também na América latina, este movimento emancipador, liberal e nacionalista, se fez sentir com a declaração da independência de quase todos os territórios coloniais de Portugal e Espanha, nas primeiras décadas do séc. XIX.
Desde o início do séc. XIX que Portugal, duma forma mais intensiva, era afectado pelos ideais de liberdade que aqui chegavam através dos estrangeiros (vindos da Inglaterra e da França), dos exilados franceses (fugidos para Portugal, aquando do Terror da “Convenção”) dos exilados portugueses regressados do estrangeiro (fugidos às perseguições policiais da maçonaria (associação secreta presente nas principais cidades desde finais do séc. XVIII).
Entre 1807 e 1811, Portugal foi vítimas de 3 invasões francesas, com o objectivo de obrigar o nosso país a cumprir o “Bloqueio Continental” à Inglaterra. A 1ª (1807) dirigiu-se a Lisboa, comandada por Junot que governou o país vários meses; a 2ª (1809) dirigiu-se ao Porto; e a 3ª (1810-1811) novamente a Lisboa, mas sem êxito. A vinda dos franceses provocou a vinda dos ingleses para ajudarem a defesa portuguesa, mas estes tornaram-se os dominadores de Portugal e dos seus interesses, o que provocou um ódio popular contra o domínio inglês, que está na origem da Revolução Liberal de 1820.
A 1.ª e, sobretudo, a última invasão francesa molestou bastante a região centro do país. Há inúmeros episódios de horrores cometidos pelas tropas invasoras em aldeias, vilas e cidades do centro de Portugal.
A mero título de exemplo, refira-se o facto de no Livro de Óbitos da Paróquia de Santa Eufémia (Penela) haver um hiato de três anos, no registo dos falecimentos. Penso que poderá ter ocorrido algo de semelhante ao que aconteceu na freguesia de Santiago da Guarda (concelho de Ansião), entre Outubro de 1810 e Abril de 1811 também não houve registos de óbitos naquela paróquia, porque a população com o respectivo pároco fugiram e este registou num caderno o nome de todos os que iam morrendo. Segundo vários artigos publicados no jornal Luz, edições n.os 13, 14 e 15, respectivamente de Julho, Setembro e Outubro de 1992, depois do regresso dos que sobreviveram à fuga, o Pároco passou para o Livro de Registo dos Óbitos, os nomes que constavam do referido caderno, com a seguinte nota prévia: «(...) Relação das pessoas que morrerão, e matarão os Inimigos, depois que os mais do povo desta freguesia nos Retirámos além do Mondego até voltarmos para nossas Cazas (...). Analisados os dados numéricos, verificou-se uma elevada taxa de mortalidade, sobretudo no mês de Abril de 1811: «Por dia morriam 3, 4, 5 e mais pessoas, o que faz prever as grandes dificuldades por que passou a população, com fome, doenças, maus tratos e falta de cuidados de saúde. (...) De 10 de Abril até final de 1811, registaram-se 82 falecimentos, enquanto em todo o ano 1812 houve apenas 14, e no ano de 1813 somente 13». Os franceses assaltaram a antiga Igreja Paroquial de Santiago da Guarda, levando o Sacrário e os Vasos Sagrados, pelo que durante muito tempo, alguns agonizantes não puderam receber a Comunhão, por não se poderem guardar as partículas consagradas. o respectivo Pároco e muito povo fugiram para a parte Norte do Rio Mondego, registando-se num caderno a lista dos que por lá morreram ou que os franceses mataram. Algo de muito parecido pode ter acontecido em Penela há dois séculos atrás.