A frustrada tentativa de matar Salazar
FEZ ONTEM 4 de julho, precisamente 75 anos, que tentaram matar Salazar, em Lisboa.
O novo regime, institucionalizado com a Constituição de 1933, cada vez mais se identificava com o seu chefe e principal ideólogo, António Oliveira Salazar, acreditando-se, nos meios anarco-sindicalistas, que para acabar com o regime era preciso acabar, primeiro, com o seu Chefe.
Depois de uma primeira tentativa falhada, concebeu-se um plano astucioso, que parecia infalível, quanto ao seu principal objetivo – matar Salazar.
Conhecidos os hábitos domingueiros de Salazar, que costumava ir assistir à missa a casa de um seu amigo, na Avenida Barbosa du Bocage, a primeira tentativa envolvia uma ação, à maneira dos anos 30, fazendo uma perseguição de carro à viatura onde seguia Salazar e, quando a oportunidade o permitisse, far-se-ia fogo sobre o automóvel onde seguia o Chefe do Governo, assassinando-o.
Para tanto, seriam necessários veículos rápidos, e só havia dois, com esses requisitos na praça de Lisboa. Era preciso roubá-los aos respetivos taxistas; e se, com um, tudo correu conforme o planeado, com o segundo, as coisas complicaram-se, pelo que o Plano teve de ser abandonado.
O novo plano parecia infalível! Consistia em colocar, previamente, uma bomba nos esgotos da Rua Barbosa du Bocage, precisamente no sítio onde o carro que transportava Salazar, costumava parar, próximo das 10 horas da manhã, para que o ditador saísse e assistisse à missa na Capela privada da residência do seu amigo Josué Trocado. Ora, o objetivo era fazer explodir a bomba, no momento em que o carro parasse e Salazar saísse.
Para tanto, combinou-se a data (forçosamente um domingo): 4 de julho de 1937. Era preciso, agora, construir o engenho e arranjar quem o colocasse e acionasse no momento certo.
Os anarco-sindicalistas eram peritos na arte de fazer bombas e, por isso, depressa resolveram o primeiro problema. Reuniram o material elétrico necessário, 30 Kg de dinamite, um tubo de ferro de 6 polegadas de diâmetro que media pouco mais de um metro (com duas tampas, uma soldada e outra de rosca), uma bateria e uma vela que provocariam a explosão depois de a bomba ser acionada ao puxar um fio.
Quanto ao segundo, decorria da resolução do primeiro, e teriam de ser pessoas ligadas ao plano.
A bomba foi colocada durante a madrugada do dia 4 de Julho. Mas houve um pequeno pormenor que falhou: o comprimento do tubo não era o mais indicado, tendo emperrado na parede do coletor geral, em vez de chegar ao sítio planeado.
Foi, provavelmente, este pormenor que salvou a vida do Dr. Oliveira Salazar, e que fez perdurar o Estado Novo até 1974.
Poder-se-ia conjeturar que, com a sua morte, o Estado Novo, obra sua e nas suas mãos, desfaleceria, o que seria bom para o reviralhismo republicano. Mas, também, poderia o regime radicalizar-se mais. Obviamente, a História não se faz de especulações e, afinal, Salazar não morreu, essa é que é a verdade!
É que, efetivamente, a detonação do engenho aconteceu “a menos de 3 metros do local onde o automóvel se encontrava” (Diário da Manhã, de 5.7.1937, p. 1). Se, no entanto, a bomba pudesse ter passado até ao local pretendido, Salazar não teria escapado. O Diário da Manhã, do dia seguinte, descreve, assim, a explosão: “(...) Num momento todos os vidros dos prédios da Avenida, situados do lado contrário áquele em que estava o automóvel de Salazar voaram em estilhas. Levantou-se uma densa nuvem de fumo e de poeira (...). Abriu-se uma cratera no chão com alguns metros de profundidade e com 3 metros de largura por 4,5 metros de comprido. Todas as sarjetas da Avenida Barbosa du Bocage rebentaram e as mais próximas voaram em estilhas. O mesmo sucedeu num raio de 150 metros em torno, às sarjetas dos coletores das Avenidas da República e 5 de Outubro”.
O Presidente do Conselho, impávido e sereno, como se nada fosse com ele, seguiu para a missa. No fim da cerimónia, ao despedir-se de Josué Trocado, tê-lo-á feito com estas palavras: “Eu tenho sempre muita sorte nestas coisas”.
O Diário da Manhã, de 5.7.1937, página 1, descreve, a “reação” de Salazar da seguinte forma: “O Sr. Presidente (...) sem que um só músculo do rosto denotasse a menor comoção (...) com a serenidade de sempre e sem apressar o passo entrou no jardim e foi ouvir a missa”.
Nas duas semanas seguintes ao atentado, o Diário da manhã, O Século e o Diário de Notícias, entre outros jornais, enchem as suas páginas com os nomes das pessoas que enviaram telegramas a Salazar, congratulando-se com o malogro da tentativa de o assassinar, com as missas Te Deum, que, um pouco por todo o lado, agradecem à Providência o facto de o Presidente do Conselho ter escapado ileso, e com manifestações de regozijo por Salazar continuar vivo. Entre tantos telegramas, é dado particular destaque aos seguintes: ao de Hitler, de Mussolini, do Brasil e do soberano espanhol.
Em simultâneo, a Igreja, a imprensa mais afeta ao regime, e as forças militares condenam, veementemente, o “abominável” atentado contra Salazar.
Segundo o Diário da Manhã, de 7.7.1937, mil e quinhentos oficiais do exército e da armada, no Palácio de S. Bento “saudaram Salazar felicitando-o pelo malogro do vil atentado que ameaçou a sua vida”.