O massacre dos Távoras
Há 255 anos, a importante família dos Távora atravessava o período mais negro da sua existência, podemos dizer mesmo, um momento verdadeiramente dramático, que levaria à execução de várias sentenças de morte, talvez as mais polémicas que Portugal alguma vez conheceu, quiçá injustas e vingativas, sobre vários membros da família dos Távora, decidida durante o "império pombalino".
Todos os acusados negaram as acusações que lhes eram feitas, mas, mesmo assim, foram condenados à morte, os seus bens patrimoniais foram confiscados a favor da coroa, o seu nome considerado indigno da nobreza e os brasões familiares foram picados.
A justificação foi o envolvimento desta importante família nobre no atentado a D. José, ocorrido a 3 de setembro de 1758. Processo judicial posterior veio confirmar que, afinal, esta família não se tinha envolvido em tal atentado, e que o seu extermínio não passou de uma estratégia do "cabeleira branca" para se sobrepor à tradicional nobreza, que se mostrava renitente em abdicar dos seus privilégios. Os marqueses de Távora eram, cumulativamente, condes de São João da Pesqueira (município altoduriense).
O processo que incrimina os Távora é dramaticamente célebre, e hoje poucos são aqueles que duvidam de que se tratou, efetivamente, de um ajuste de contas político de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) contra a fação palaciana sua adversária. Há mesmo dúvidas acerca da veracidade do atentado contra a vida de D. José, de que se falou oficialmente, apenas três meses depois de ter ocorrido. Do que não existem dúvidas, é que no dia 13 de Janeiro, a sentença condenatória, conhecida apenas na véspera, era executada no patíbulo de Belém.
«A marquesa D. Leonor, condenada sem ser ouvida, foi degolada. O filho José Maria, o jovem marquês de Távora e o conde de Atouguia foram condenados a serem supliciados. O duque de Aveiro - este sim, de facto envolvido -, condenado também ao suplício, foi desnaturalizado, exautorado das honras e privilégios de português (...). O marquês de Távora foi igualmente exautorado de todas as dignidades e o apelido Távora proibido de ser usado. Os bens da marquesa de Távora foram confiscados, compreendendo-se nesta confiscação os de vínculos que foram constituídos de bens da coroa». Da execução da sentença decorreu, serem picados os respetivos brasões onde quer que estivessem.
Mais tarde, quando reinava a primeira rainha titular portuguesa, D. Maria I, foi constituído um Tribunal, formado por 18 membros, para reapreciar todo o processo que ditou a condenação dos Távora, o qual, uma vez concluído, acabou por negar a sentença condenatória, na parte que dizia respeito, precisamente, aos marqueses de Távora, por não se provar que fossem cúmplices no atentado, sendo, por isso, declarados «sem nota de infâmia alguma». O mesmo coletivo decidia que fossem restituídas as famílias às suas honras, reconhecendo-lhes o direito ao uso dos seus títulos. Mas os que já tinham sido humilhados e assassinados, não podiam ser recompensados! - Ora aí está, um forte argumento, qual lição do passado, em desaprovação da pena de morte. Uma vez executada, ainda que sobre inocentes, como no presente caso parece ter acontecido, nada há a fazer em desagravamento da injustiça cometida.
O primeiro marquês de Távora foi D. Luís Álvares de Távora, por decreto de 6 de Agosto de 1669, dado por D. Pedro II, que assim o recompensava pela sua extraordinária prestação militar nas guerras da Restauração. Era, simultaneamente, o 3.º conde de S. João da Pesqueira e 17.º senhor de Távora, em Mogadouro. Até ao extermínio, em meados do século XVIII, houve 4 marqueses de Távora, todos eles figuras de grande destaque, quer em Portugal quer na administração do Império Português, sobretudo na Índia.
Apesar da determinação do marquês de Pombal de que deveriam ser apagados (picados) todas as armas dos Távoras, onde quer que se encontrassem, a verdade é que pelo menos um destes brasões escapou. Quem o redescobriu foi o jornalista Germano Silva, que na edição do Jornal de Notícias, do dia 12 de janeiro de 1997, a ele se referiu publicando a sua foto.
De acordo com aquele jornalista, o 1.º conde de S. João da Pesqueira - ainda não havia sido criado o título de marquês de Távora - tem o seu brasão na Igreja dos Grilos, na cidade do Porto, porque, em 1614, ofereceu do seu bolso 30 000 cruzados para a edificação daquele templo, com a condição de nele ser sepultado, na capela-mor.
«Esse facto deu-lhe o direito ao título de fundador e a que na parte central da frontaria da igreja figurasse o seu brasão, esquartelado de Sousas do Prado, Távoras, Mouras e Coutinhos». O esquecimento dos funcionários do Marquês de Pombal, ou, talvez mais exatamente, o facto de a sentença não incluir os ascendentes dos Távoras, antes da concessão do título de marquês, explicam a "sobrevivência" deste brasão, à sombra da Sé do Porto.