As primeiras Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa
Portugal acaba de ter votado em mais umas eleições legislativas cujas consequências ainda demorarão a compreender-se em toda a sua plenitude, pois não basta conhecer os resultados para se saber como vai ser daqui para a frente.
Este facto motivou-me para trazer aos leitores a recordação das primeiras eleições que se fizeram em Portugal. Elas ocorreram na sequência do triunfo da Revolução Liberal Portuguesa, na cidade do Porto, no dia 24 de Agosto de 1820.
Em causa estava algo tão importante como fazer terminar o Antigo Regime em Portugal e dar início, entre nós, à Idade Contemporânea, caracterizada politicamente pela Monarquia Constitucional. Por outras palavras, procurava-se, pela primeira vez, partilhar o poder político com um maior número de cidadãos, através do exercício do direito de voto que a alguns passou a ser reconhecido.
O objetivo era eleger os deputados constituintes que tinham a nobre tarefa de elaborar a primeira Constituição para Portugal. Mas, primeiro, era preciso definir quem teria direito de voto (eleitor) e quem poderia ser eleito (elegível). Não foi tarefa fácil, nem rápida.
Os deputados constituintes foram eleitos através do sistema eleitoral estipulado pela Constituição Espanhola de Cádis de 1812, devidamente adaptada à situação portuguesa.
Estamos a falar de um sufrágio completamente diferente daquele que conhecemos: indirecto, porque os eleitores votavam noutras pessoas que por sua vez iriam votar novamente noutras; tendo de se formar juntas eleitorais de paróquia, de comarca e de província. Tinham direito de voto os cidadãos maiores de 25 anos (havia casos, devidamente previstos na lei, em que os maiores de 21 anos já podiam votar) com emprego, ofício ou ocupação útil, que elegiam representantes seus e estes, por sua vez, escolhiam os eleitores de comarca. Estes reuniam-se na capital da província, elegendo, finalmente, os deputados às Cortes Constituintes, os quais não podiam ter idade inferior a 25 anos, na proporção de um por cada 30 mil habitantes. Para se poder ser eleito deputado era necessário poder-se sustentar através de «renda suficiente, procedida de bens de raiz, comércio, indústria ou emprego». Este complexo processo eleitoral das primeiras eleições portuguesas só ficaria terminado no dia de Natal de 1820.
Dele resultaram as denominadas “Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes”, que também foram conhecidas como “Soberano Congresso”, e dos seus trabalhos sairia a primeira constituição portuguesa, a Constituição de 1822.
A primeira reunião das “Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa”, teve lugar no Palácio das Necessidades, no dia 24 de Janeiro de 1821 e manter-se-ia em funções até 4 de Novembro de 1822.
A assembleia constituinte, apesar de ter como missão prioritária elaborar uma Constituição, a verdade é que à semelhança do que tinha acontecido na França, no final do século anterior, a assembleia constituinte portuguesa tomou outras importantes medidas, designadamente a nomeação de um novo governo (que substituiu a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que governava Portugal desde o triunfo da revolução) e a elaboração de vária legislação sobre os mais diversos temas de natureza política, económica e social, chegando mesmo a impôr ao rei (D. João VI) o seu regresso imediato do Brasil, para onde a Corte havia fugido aquando da 1.ª invasão francesa, para que jurasse a Constituição e, assim, mostrasse a sua adesão ao novo regime.
Menos 3 meses após o início dos trabalhos constituintes, os deputados aprovavam, a 9 de março de 1821, as bases da Constituição, documento que foi jurado por D. João VI a 4 de julho de 1821, logo após o seu regresso do Brasil. A Constituição de 1822, propriamente dita, só seria aprovada a 23 de setembro de 1822. Ela estabelecia que os três poderes políticos (legislativo, executivo e judicial) seriam rigorosamente independentes entre si, ficando o poder legislativo para as Cortes em exclusivo, mas sujeito à sanção régia.