"Tratado de Commercio entre El-Rei. D. Pedro II de Portugal e Anna Rainha de Gram Bretanha"
John Methuen, o embaixador inglês em Lisboa, no princípio do séc. XVIII, que se encarregou de negociar a assinatura do Tratado que ficou com o seu nome
Em 27 de dezembro de 1703, há 313 anos, foi assinado, entre Portugal e a Inglaterra, o Tratado de comércio que ficou com o nome do embaixador inglês John Methuen, irmão de um empresário têxtil, que o negociou, ficando-lhe a “fama” de ter pago elevados valores aos que intervieram direta e indiretamente na sua concretização. Da parte portuguesa, estiveram mais diretamente envolvidos na elaboração dos seus termos, o diplomata português em Londres, D. Luís da Cunha e D. Manuel Teles da Silva, o 1.° Marquês de Alegrete, Vedor da Fazenda, que era proprietário vinícola.
Este tratado que tinha também objetivos de ordem militar, consolidando a velha aliança entre Portugal e a Inglaterra, obedecia sobretudo a imperativos de ordem económica, até porque Portugal intensificava a exploração de ouro no Brasil e, com este tratado, a Inglaterra conseguiria cada vez maiores superavits nas contas com Portugal, que tinham de ser ressarcidos em ouro.
De facto, o Tratado de Methuen não pode ser descontextualizado da sua conjuntura histórica, uma vez que também pretende solucionar questões geoestratégicas do interesse de Portugal. Assim, ele vem fortalecer os Tratados de Aliança defensiva e de aliança ofensiva e defensiva, assinados em 16 de maio de 1703, junto às potências da Grande Aliança – Inglaterra, Províncias Unidas e Sacro Império – que procuram resolver a questão de segurança imposta pela Guerra de Sucessão Espanhola, em que Portugal esteve envolvido.
Os 3 artigos do Tratado de Comércio entre El-Rei D. Pedro II de Portugal e Ana Rainha da Grã Bretanha estabeleciam:
«Art. 1. Sua Sagrada Magestade ElRey de Portugal promette tanto em Seu próprio Nome, como no de Seus Sucessores, de admitir para sempre d’aqui em diante no Reyno de Portugal, os Panos de lãa, e mais fabricas de lanifício de Inglaterra, como era costume até o tempo que forão prohibidos pelas Leys, não obstante qualquer condição em contrario. Art. II. He esitpulado, que Sua Sagrada e Real Magestade Britannica, em Seu próprio Nome, e no de Seus Successores será obrigada para sempre, d’aqui em diante, de admittir na Gram Bretanha os Vinhos do producto de Portugal, de sorte que em tempo algum (haja Paz ou Guerra entre os Reynos de Inglaterra e de França) não se poderá exigir de Direitos de Alfandega nestes Vinhos, ou debaixo de qualquer outro Título, directa ou indirectamente, ou sejam transportados para Inglaterra em Pipas, Toneis, ou qualquer outra vasilha que seja; mais que o que se costuma pedir para igual quantidade, ou de medida de Vinho de França, diminuindo ou abatendo huma terça parte do Direito de costume. Porem, se em qualquer tempo esta dedução, ou abatimento de Direitos, que será feito, como acima he declarado, for por algum modo infringido e prejudicado, Sua Sagrada Majestade Portuguesa poderá, justa e legitimamente, prohibir de lãa, e todas as mais fabricas de lanifício de Inglaterra. Art III. Os Ex.ᵐᵒˢ Senhores Plenipotenciarios promettem, e tomão sobre si, que Seus Amos acima mencionados ratificarão este Tratado, e que dentro do temo de dous Mezes se passarão as Ratificações.»
Neste tempo a doutrina económica em voga, o denominado mercantilismo, defendia que a riqueza de um país se media na quantidade de metais preciosos que possuísse. Assim, quem não tinha ouro ou prata no território que controlava, tentava investir na produção interna em quantidades excedentárias para poder exportar em maior valor do que importava e assim receber a diferença em metais preciosos.
Portugal viveu na 2.ª metade do século XVII uma situação comercial particularmente crítica, com a descida do preço do açúcar e tabaco brasileiros nos mercados europeus; esta crise agravou-se na década de 1670 devido à concorrência do açúcar produzido, então, nas Antilhas inglesas e holandesas o que levou o Conde de Ericeira, D. Luís de Meneses, a implementar um conjunto de medidas com o objetivo de proteger a nossa economia. Algumas destas medidas foram a Pragmática de 1677, a introdução de indústrias manufatureiras, a concessão de créditos para a sua instalação, a criação de companhias monopolistas de comércio, a promulgação ainda de novas leis pragmáticas, a política de desvalorização monetária e o incentivo e proteção às indústrias.
Grande parte das medidas implementadas promoveu a produção manufatureira nacional, dando trabalho aos portugueses e poupando a balança comercial portuguesa no que respeita ao custo das importações. Como afirmava Duarte Ribeiro de Macedo «A importância da circulação do dinheiro na sociedade é igual à circulação do sangue no corpo humano», daí a relevância deste investimento nas indústrias nacionais.
Estas iniciativas acabaram por fracassar e para isso muito contribuiu o Tratado de Methuen, nos termos que atrás se viram, porque Portugal abriu a sua economia à livre importação dos têxteis britânicos que chegavam ao mercado português pagando apenas 2/3 de direitos alfandegários, em troca de igual privilégio fiscal para os vinhos portugueses que seguiam para Inglaterra. É óbvio que tal tratado se evidenciaria mais favorável aos interesses ingleses do que aos interesses portugueses, 1.º, porque os seus produtos eram unitariamente mais caros que os nossos; e 2.º, porque nós poderíamos, sem grandes dificuldades, produzir aqui os têxteis que importávamos (como se fizera no período da crise), mas os ingleses, mesmo que o tentassem, não podiam produzir na Inglaterra vinhos iguais aos nossos, por razões climáticas. Segundo Coelho da Rocha, logo no primeiro ano de vigência deste tratado as exportações inglesas para Portugal “subiram no valor de 1 300 000 libras”, ou seja 13 milhões de cruzados.
Mais tarde, o Marquês de Pombal adotaria políticas mercantilistas e protecionistas na agricultura, no comércio e na indústria e o Setembrismo, triunfante em 1836, tomou igualmente medidas protecionistas para a economia portuguesa que puseram definitivamente um fim ao Tratado de Methuen.