SIDÓNIO PAIS FAZ AS PAZES COM A IGREJA
In “Ilustração Portuguesa”, 27 de maio de 1918
Não é novidade para ninguém que no período da Primeira República portuguesa, Igreja Católica e Governantes andaram de “candeias às avessas”, que deixaram indeléveis marcas no relacionamento entre o Estado e a Igreja.
Contudo, o interregno sidonista de há cem anos conseguiu, enquanto durou, suavizar as relações institucionais entre os governantes republicanos e a hierarquia da Igreja Católica.
Recordo que Sidónio Pais, opondo-se à Constituição de 1911, resolveu candidatar-se, na Primavera de 1918, a Presidente da República, promovendo, à margem das leis republicanas, uma eleição presidencial por sufrágio direto, que venceu (ele era também o único candidato), no dia 28 de abril de 1918, tornando-se o único Presidente da República eleito por aquele método, daí que se chamasse ao regime, no período sidonista, “República Nova”.
Mas voltando às boas relações com a Igreja, estas melhoraram significativamente no dia 15 de maio de 1918, quando Sidónio Pais participou, nas exéquias que se celebraram na Sé de Lisboa, pelos nossos soldados que haviam morrido, quer em África, quer em França e em grande número no dia 9 de abril, na Batalha de La Lys.
A revista “Ilustração Portuguesa” foi, desde o verão de 1914, dando notícia da intervenção portuguesa na Primeira Guerra Mundial, primeiro em Angola e Moçambique, e depois de janeiro de 1917, na Frente Ocidental.
É da sua edição de 27 de maio de 1918, que transcrevemos o apontamento de reportagem, sobre a presença de Sidónio Pais, como Presidente da República, que ao abrir a página 407, por baixo do título “Sufragando os Mortos pela Patria”, aparece numa foto, acompanhado do representante do Patriarca de Lisboa e seguido do capitão Cameira, a entrar na Sé, onde foi assistir aos ofícios pelos nossos soldados.
«Pela primeira vez ao cabo de oito anos de Republica, encontraram-se juntos na mesma grande cerimonia religiosa os representantes de dois poderes que a lei divorciou: o espiritual e o temporal. A Sé de Lisboa revestiu-se de crepes e encheu-se de fieis para comemorar os heroes portuguezes que nos talados e revolvidos campos de França e nas paragens longinquas e ardentes da Africa sacrificaram as suas vidas em holocausto ao futuro da Patria. Aos solenes sufragios presidiu o cardeal patriarca, rodeado do seu cabido, e assistiu o chefe do Estado com os ministros, as autoridades civis e militares, muitas personalidades conhecidas ou eminentes, enorme concurso de povo e entre este não poucas senhoras e creanças vestidas de luto... Ao pulpito, para traçar o elogio dos gloriosos soldados que sucumbiram na refrega, subiu o sr. bispo de Portalegre, D. Manuel Mendes da Conceição Santos, o mais novo e um dos mais cultos prelados. O sr. dr. Sidonio Paes tomou logar na capela-mór, ocupando a tribuna da epistola, outr'ora destinada ao soberano e sua familia. Cantou-se musica de Perosi, o celebre mestre-de-capela de Pio X, e em muitos rostos correram lagrimas de saudade pelos que foram e não voltam mais, – moços, tantos d'eles, cuja magnifica juventude irá reflorir nas gerações de ámanhà pelas quaes tão generosamente se imolaram… O presidente da Republica foi recebido e despedido com todas as honras inherentes á sua magistratura suprema. O chefe do Estado e o chefe da Egreja portugueza, o cardeal Belo, apertaram-se cordealmente as mãos. Acima de todas as dissenções e mesquinharias paira imortal e augusta a gloria dos que caíram por nós todos e que bem merecem a reconciliação e a paz dos portuguezes…»