Bombardeamentos alemães aos arquipélagos portugueses
Uma vez declarada a Guerra por parte da Alemanha a Portugal, em 9 de março de 1916, os governantes portugueses sabiam que podiam esperar ataques por parte das forças militares alemãs em qualquer área do território português, quer na metrópole, quer nas ilhas ou nos territórios coloniais africanos, onde a guerra já lavrava, desde o início do conflito (verão de 1914).
Fora dos territórios africanos portugueses, e apesar de toda a vigilância que as forças da Marinha de Guerra Portuguesa faziam, houve vários bombardeamentos, nomeadamente ao Funchal e a Ponta Delgada, capitais da Madeira e dos Açores, respetivamente.
Bombardeamento ao porto do Funchal, in “Ilustração Portuguesa”, de 1-1-1917
A 3 de dezembro de 1916 tem lugar, pela primeira vez, o ataque de um submarino alemão a território nacional com o bombardeamento do porto do Funchal, e da cidade, que causou bastantes estragos e dezenas de mortos, sobretudo entre os tripulantes dos navios atingidos, obrigando também os habitantes da cidade a fugirem.
A “Ilustração portuguesa” de 1 de janeiro de 1917, donde extraímos a passagem que se segue, traz a reportagem daquelas duas horas de guerra que o submarino alemão desencadeou.
«Os alemães não perdem um só ensejo de nos provocarem e, se eles pudessem realisar um desembarque que fosse nas nossas costas ou nas das nossas ilhas, ha muito que o teriam feito. Era esse o seu proposito evidente no Funchal. O unico navio de guerra que ali se encontrava era a canhoneira franceza “Surprise.” Entrara havia meia hora, já seguida naturalmente pelo submarino que a torpedeou com tanta rapidez e tão a coberto das vistas de terra, que, ouvindo o estampido e vendo o navio afundar-se, todos imaginaram que se tratava apenas de uma explosão a bordo. Atracada á “Surprise” estava uma barcaça com carvão, da casa Blandy, tripulada por 25 homens, dos quaes morreram 7, alem do sr. Henrique Teixeira, empregado da mesma casa. Da canhoneira franceza morreram o seu comandante, o capitão Ladonne, e dois oficiaes com 26 marinheiros. Volta-se depois o submarino contra o vapor francez “Kangoroo” e mete-o tambem no fundo, de nada lhe valendo o heroico esforço de dois dos seus tripulantes que sobre ele fizeram alguns tiros com uma pequena peça postada á pôpa, passando o navio pirata por esta sem que infelizmente fosse atingido por qualquer d'esses tiros, indo em seguida torpedear o vapor inglez “Dacia” que não tardou tambem a submergir-se e cujos tripulantes e bem como os do “Kangoroo” foram salvos graças á sua propria coragem e ao pronto e valioso auxilio que de terra lhes prestaram. E estava-se na salvação de tanta gente, no recolhimento dos mortos, quando o submarino voltou ao ataque. A bateria do caes abriu fogo sobre ele, mas a agitação do mar não permitia alvejal-o bem. O barco inimigo respondeu-lhe disparando sucessivas granadas sobre a cidade. Ao fogo da bateria veiu juntar-se o do forte. Foi um violento tiroteio que abalou profundamente a cidade, produzindo muitos estragos e obrigou os seus habitantes a despovoal-a. Duas horas durou essa luta entre o pirata e a artilharia de terra, que não fraquejou. Se não lhe inflingiu maior dano, fel-o desistir do atrevido ataque que ninguem sabe até onde iria parar se não fôra tão viva a resistencia. Toda a vigilancia é pouca nas nossas costas contra as investidas traiçoeiras dos alemães. N'alguns pontos o mar, n'esta quadra é tão revolto, que não os deixa operar. A oeste dos Açôres, por exemplo, não se afoitam eles. A navegação da America tem-se feito normalmente sem que nenhum periscopio se aviste n'aquelas aguas em cachão. O mez passado transitaram por ali mais de 20 navios sem novidade. Entretanto, outros pontos ha, em que não se dispensa uma defeza cuidadosa e aturada e para esses é que o paiz reclama a atenção do governo.»
O jornal “Repulica” de 7 de julho de 1917, na sua primeira página, dá o alerta de o Funchal ter sido novamente ameaçado por um submarino alemão nos primeiros dias de julho mas, dessa vez, porém, foi repelido a tiro por uma patrulha da marinha; reapareceu uma hora mais tarde próximo do porto, voltando a ser perseguido pelas patrulhas, contra uma das quais largou um torpedo, que não atingiu o alvo.
Também Ponta Delgada, capital dos Açores, na madrugada do dia 4 de julho de 1917, foi atacada por um submarino alemão, tendo esta cidade sido defendida pelo navio americano “Orion”, que se encontrava no porto para reparações.
O móbil do bombardeamento inimigo terá sido a circulação de notícias de que anunciavam a criação de uma base militar inglesa no arquipélago.
No próprio dia dos acontecimentos, “A Capital” traz uma pequena notícia na primeira página, sob o título “Os Boches / Ponta Delgada é bombardeada por um submarino alemão” com a seguinte informação: «O sr. ministro da marinha leu hoje nas camaras o seguinte telegramma: “Ponta Delgada, ás 10 e 5 – Hoje, ás 4 horas, um submarino allemão, que appareceu em frente do porto disparou para terra alguns tiros que, ao que consta provocaram ferimentos pessoaes e uma morte. A bateria de terra e um transporte americano abriram fogo, tendo o submarino retirado para fóra do alcance da artilharia, mantendo-se fóra do porto”».
No dia 5 de Julho, “A Capital” dava novos pormenores sobre este ataque alemão à capital açoriana: «O bombardeamento de Ponta Delgada / Uma mulher morta, quatro pessoas feridas e um edificio destruído / Ponta Delgada, 5 – Ás 4 horas da manhã de hontem appareceu de subito n’este porto, um submarino allemão, que disparou sobre a cidade oito granadas, duas da quaes cahiram nos arrabaldes, em Fajã de cima, fazendo destroços. / As baterias de terra responderam, assim como o transporte americano Orion, armado em cruzador auxiliar, que fez fogo quinze vezes, pondo-se o submarino fóra do alcance, mas conservando-se á superficie. / As granadas allemãs mataram uma rapariga, feriram quatro pessoas e derrubaram uma casa, causando ainda outros estragos. / Pouco depois do bombardeamento, entrou no porto o navio italiano Napoli, que seguia de Nova York para a Italia com passageiros. No porto estão cinco navios estrangeiros. / O submarino é de cerca de 500 toneladas e tem uns 20 homens de tripulação».
Uma das casas atingidas pelo bombardeamento de Ponta Delgada, in “Ilustração Portuguesa” de 20 de agosto de 1917
Também a “Ilustração Portuguesa” de 20 de agosto de 1917, um mês e meio depois da ocorrência, dedica uma página ao bombardeamento de Ponta Delgada e divulga algumas imagens dos estragos, de pedaços de uma granada utilizada no ataque e do comandante do “Orion” que se bateu de forma valorosa contra o inimigo alemão.
«Ainda não esqueceu nem esquecerá tão depressa o atrevido ato de um submarino alemão que bombardeou Ponta Delgada, matando uma mulher, ferindo tres e causando prejuizos materiaes. Uma bataria de terra, instalada na Mãe de Deus, e o transporte americano Orion fizeram intenso fogo sobre o pirata que se viu obrigado a safar-se. Era o submarino de grandes dimensões U-7 que apareceu outra vez no dia seguinte defronte da ilha, mas que desistiu de novo ataque, vendo que o Orion se preparava para lhe responder com as suas quatro peças, se fosse preciso».