Levou a pensar-se mudar a capital novamente para Coimbra
Em dezembro de 1921, há um século, o país continuava numa situação crítica de contínua agonia, provocada ainda pelos efeitos devastadores que teve a “Noite Sangrenta” na classe política e na sociedade civil. Era difícil o governo permanecer em funções (um ou dois meses era o tempo que durava em média) e era difícil substituí-lo. Viveu-se um clima de iminente guerra civil tendo valido a respeitada figura de António José de Almeida, o único Presidente da República que cumpriu um mandato completo na Primeira República. A vida política esteve tão complicada em Lisboa que se levantou a hipótese de tornar Coimbra novamente capital, ela que o foi no tempo em que Portugal conquistou aos Mouros as terras que vão do Mondego ao Algarve.
Imagem da antiga cidade de Coimbra
Efetivamente os anos da década de vinte do século passado foram muito complicados, com a conflitualidade política e socioprofissional a assumir contornos de grande violência, que não raro vitimava também inocentes, atingidos por bombas lançadas pela ala anarcossindicalista que tinha grande expressão, sobretudo, na capital.
Em meados de dezembro de 1921, o Coronel Maia Pinto (natural do Porto e oficial do Exército foi um dos combatentes portugueses na Primeira Guerra Mundial) que chefiava o Governo há cerca de 40 dias pediu a demissão, passando mais uma vez a responsabilidade de escolher sucessor para o Presidente da República, António José de Almeida (natural de Penacova, Coimbra, foi fundador do jornal “República”, em 1911, e do Partido Evolucionista, em 1912). A imprensa por esses dias avança diversos nomes para chefes de Governo, muitos deles também militares (parecia pronunciar-se, cinco anos antes, a Ditadura Militar, que em 1926 havia de pôr fim a esta primeira experiência democrática da vida pública portuguesa que deu pelo nome de “República”).
Alguns dos nomes aventados foram, por exemplo (segundo “A Capital”, de 13 de dezembro) Mesquita de Carvalho, o Coronel Manuel Maria Coelho ou o General Gomes da Costa. Nos dias seguintes o nome mais ventilado foi o de Cunha Leal, também ele militar, que granjeou prestígio com o “19 de Outubro” (tendo ainda sido ferido, acabou por escapar com vida) como se demonstra pelas seguintes palavras publicadas na 1.ª página do “Diário de Lisboa” de 19 de dezembro: «O gabinete de Cunha Leal aceitou as responsabilidades tremendas do poder na hora gravíssima em que a confusão era dona dos espíritos e o confrangimento dictador das almas. / Emquanto toda a gente olhava numa desconfiança mutua e num terror do dia de amanhã, justificado pelas convulsões passadas, surgiu um homem que conseguiu organizar um governo apoiado por todos aqueles republicanos para quem a palavra republica não é sinonimo de escaramuça permanente. Esse homem que durante uma noite de desvairo em que o proprio luar foi côr de sangue, adquiriu pela nobreza dum acto de solidariedade que muito poucos praticariam, a estima profunda de todos os portuguezes».
No dia em que Cunha Leal tomou posse, “A Capital” (16 de dezembro de 1921) publicava na primeira página o título “MOMENTO POLITICO” e os subtítulos: O MINISTERIO / está organizado / Ultimas informações acerca dos incidentes politicos dos ultimos dias. - Projectou-se transferir o governo da Republica para Coimbra. - As eleições far-se-hão no dia 8 de janeiro, dizem os politicos mais categorizados. - A ordem publica e as disposições das forças armadas. - O sr. Cunha Leal irá até onde fôr preciso!...»
Os membros do novo governo que, bem à moda do tempo, esteve no poder quase dois meses, foram os seguintes: Cunha Leal, Presidência e Ministério do Interior; Juiz Costa Gonçalves, Ministério da Justiça; Vitorino Guimarães, Ministério das Finanças e interino do Ministério do Comércio; Mariano Martins, Ministério da Agricultura; Rego Chaves, Ministério das Colónias; Júlio Dantas, Ministério dos Negócios Estrangeiros; Alves dos Santos, Ministério do Trabalho; Comandante Manuel de Carvalho, Ministério da Marinha; Coronel Freiria, Ministério da Guerra; e Ruy Teles Palhinha, Ministério da Instrução.
Retomando a peça de “A Capital”, aí se escreve que o país tinha estado na iminência de uma guerra civil «após o pronunciamento militar de 19 de outubro, tão profundamente desprestigiado pelos horrores da noite tragica, o vacuo estabeleceu-se não regiões governamentais. (…) Esta situação de asfixia pela rareação da atmosfera politica tornou-se intoleravel ao governo de Maia Pinto, cuja vida de arrastava precariamente não dispondo o governo, muitas vezes, do pessoal indispensavel para manter a maquina politica dos governos civis e das administrações dos concelhos.
Procurou o ministério Maia Pinto romper o isolamento com o decreto do adiamento eleitoral esperançado em que os partidaristas prefeririam aproximar-se dele a lançarem-se numa luta ingrata embora caracterizadamente legalista. Enganou-se o governo: os partidaristas encarreiraram para o caminho da resistência, não obstante a oposição que encontraram nos directorios. Uma forte corrente de opinião manifestou-se no sentido de se reunir o Congresso e, após trabalhos preparatórios, foi escolhida a cidade de Coimbra como sede do Parlamento. Este devia reunir amanhã, sábado. Teria a apoiá-lo toda a força publica do norte do paiz (…) É evidente que, resistindo Lisboa – ou, antes, a força material que nesta cidade se localisa – a guerra civil poderia vir a esboroar-se e, uma vez, começada, muito difícil seria saber quando e como terminaria.
Se não fossem as diligencias pessoais que o Chefe de Estado empregou, já há tempos que a contra-revolução teria deflagrado. Houve um instante em que ela pareceu inevitavel. O sr. Presidente da Republica conseguiu convencer os contra-revolucionarios a que era preferivel esperar algum tempo, porque tudo virá a resolver-se dentro das leis e em conformidade com os sentimentos pacíficos da grande maioria dos portuguezes, que apenas desejam que se lhes permita exercer as suas actividades profissionais (…)».
É interessante, mas não é muito surpreendente, que os congressistas tenham pensado em Coimbra como nova capital de Portugal, para escapar à violência que assolava Lisboa. Coimbra que foi a capital do Reino na fase da Reconquista (entre o princípio da nacionalidade e a conquista do Algarve). Só em 1255, D. Afonso III mudou a capital para Lisboa, depois da definitiva conquista de Silves, já quase em meados do século XIII. Na verdade, criado o Condado Portucalense, sob gestão do Conde D. Henrique e de D. Teresa, estes passaram a viver em Coimbra, onde se pensa terá nascido o 1.º rei de Portugal, D. Afonso Henriques, que também aí foi sepultado (Igreja do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, 1.º Panteão Nacional).
De facto, a província começava a reivindicar algum protagonismo político, uma vez que Lisboa descarrilava cada vez mais para a desordem e para a violência.
Um dos frequentes alertas é dado na 1.ª página do “Diário de Lisboa” de 20 de dezembro de 1921 e aí fica: «Saiba-se que a provincia – e com carradas de razão – se mostra cada vez menos disposta a assistir como mero espectador ás brigas e tramoias travadas ou urdidas na capital. Fixe-se isto bem! O regionalismo tem uma das causas do favor que vai encontrando por toda a parte nesta resistência que, até 19 de outubro, era mais nominal que real. / Para que se não converta em torrente impetuosa o que é ainda um simples regato, exige-se que os partidos se dirijam ao eleitorado com a isenção patriotica de só trabalharem pelo bem comum.»