Mais uma Tentativa Revolucionária na Primeira República
A década de 1920 foi particularmente difícil para os países que estiveram diretamente envolvidos na primeira Grande Guerra. Para além das perdas humanas houve um enorme endividamento de Estado (também no caso português) que condicionou, e muito, a ação governativa. Não admira, por isso, que a instabilidade política tenha sido um ponto fraco da Primeira República portuguesa, que se agravou 100% após o fim da Guerra (1918). A instabilidade política não é mais do que o espelho das dificuldades financeiras e económicas que provocaram uma desgastante agitação social com evidentes consequências políticas. Recordamos hoje a tentativa revolucionária de 21 de maio de 1921 que provocou a demissão do 25.º governo republicano presidido por Bernardino Machado.
Constituição do novo governo saído deste golpe (in “Ilustração Portuguesa”, n.º 797, 28 de maio de 1921)
A Guarda Nacional Republicana foi uma autêntica “guarda pretoriana” do regime, tendo o seu Chefe de Estado-Maior, Liberato Pinto, chegado a desempenhar o cargo de Presidente do Ministério. Terá sido a retirada de poder e de influência à GNR que muito provavelmente terá estado na origem da intentona de que nos ocupamos hoje, que ocorreu em Lisboa no dia 21 de maio de 1921, há precisamente um século. Nesta data, algumas forças afetas à GNR tomaram posições no Parque Eduardo VII e na Rotunda, exigindo o fim do gabinete de Bernardino Machado, que não tinha sido nada simpático para com Liberato Pinto. Segundo se veio a apurar dias depois, os objetivos do golpe eram mais dois: a dissolução do Parlamento e a formação de um governo livremente escolhido pelo Presidente da República.
Este era, ao tempo, António José de Almeida (nasceu em Penacova, em 17-7-1866 e faleceu e Lisboa, no dia 31-10-1929) que foi o único presidente da 1.ª República que conseguiu cumprir integralmente o seu mandato de 4 anos (5-10-1919 a 5-10-1923).
Esta crise governativa, apesar de ocupar vários dias o interesse e as páginas dos órgãos de comunicação social, não surpreendeu verdadeiramente ninguém. Porque naquele contexto era o mais habitual. Porque os jornais já a adivinhavam. A 16 de maio já “A Capital” trazia para a primeira página o prenúncio de crise, sob o título “Governos de concentração”: «Todos os dias se fala em crise. / Umas vezes é por causa da substituição do Comandante da Guarda Republicana; outras vezes ainda porque o parlamento não se apressa a votar os orçamentos (…).». Mais à frente escreve-se «Quando cahiu o gabinete Liberato Pinto, estava toda a gente farta até aos olhos de governos de concentração. Reclamava-se vida nova. Acabou-se por fazer um novo governo de concentração sob a presidencia do sr. Bernardino Machado, que se vê doido para juntar os seus logares-tenentes. / Não nos iludamos. Se cahir o sr. Bernardino Machado, é natural que se experiencie de novo – um governo de concentração».
Recordemos, num breve parêntese, esse importante estadista da Primeira República, que foi Bernardino Machado. Nasceu no Rio de Janeiro (28-3-1851) e faleceu no Porto (29-4-1944) com 93 anos. Estudou e foi Professor na Universidade de Coimbra. Em termos políticos, depois de ter sido Ministro das Obras Públicas no 1.º governo de Hintze Ribeiro, aderiu ao Partido Republicano em 1903. No período da República fez parte do Governo Provisório como Ministro dos Negócios Estrangeiros e foi deputado constituinte. Seria duas vezes Presidente da República (entre 5 de outubro de 1915 e 5 de dezembro de 1917 e entre 11 de dezembro de 1925 e 31 de maio de 1926) e duas vezes Presidente do Ministério (entre 9 de fevereiro e 12 de dezembro de 1914 e entre 2 de março e 23 de maio de 1921).
A sua última chefia de governo terminou no dia 21 de maio de 1921, quando os militares saíram dos quarteis e ocuparam algumas zonas da capital, registando-se também o envolvimento de civis armados. Como sempre acontece em movimentos revolucionários deste género, havia enormes expectativas acerca do que se passava, quem é que estava por detrás dos acontecimentos e o que é que efetivamente pretendia. Mas uma coisa parecia mais ou menos certa, o povo de Lisboa mobilizava-se imediatamente para a defesa das instituições republicanas, como tinha feito aquando da ameaça monárquica de 1919.
Sobre o que, de facto, aconteceu na madrugada de 21 de maio de 1921, em Lisboa, o diário “A Capital” desse mesmo dia, escreve, sob o título “O que se passou de madrugada – A demissão do governo”, logo na sua primeira página: «De madrugada, forças da guarda republicana e do 1.º grupo de companhias da administração militar, assim como grupos de civis armados entraram no quartel de Campolide, onde estão aquarteladas a 5.ª e 6.ª companhia da G.N.R. e o Grupo de metralhadoras pesadas indo uma comissão delegada a casa do chefe de Estado, de quem solicitou audiencia. Recebida imediatamente essa comissão expôs ao sr. presidente da Republica a sua discordância com a marcha do governo e do parlamento. A essa hora estava reunido em casa do sr. dr. Antonio José de Almeida o conselho de ministros, tendo o sr. dr. Bernardino Machado, apoz demorada discussão, resolvido apresentar a demissão colectiva do governo, demissão que o sr. presidente da Republica aceitou, tendo logo de manhã chamado á sua residencia os “leaders” parlamentares, a fim de os ouvir. (…)».
Acerca da suposta causa do movimento, o mesmo jornal, mais adiante escreve: «Diz-se que o movimento foi devido ao sr. ministro da guerra pretender transferir varios oficiaes do 1.º grupo de companhias da administração militar, aquartelada, como se sabe na Cova da Moura. (…) / Corre também o boato, com insistencia, de que faziam ou fazem parte da junta directiva do movimento os sr. Liberato Pinto, Machado Santos, Carrazeda de Andrade, major Marreiros e capitão Pires Monteiro».
Entretanto, pelas 17 horas, chegou ao Terreiro do Paço uma força de cavalaria da Guarda Nacional Republicana, com o objetivo de impedir, a quem quer que fosse, a ocupação das arcadas.
O “Diário de Lisboa” de 21 de maio de 1921 ao informar o que se passou durante a noite na capital portuguesa refere que “no Parque Eduardo VII acamparam forças de artilharia, da administração militar e metralhadoras”. Diz ainda que se preparava um golpe de estado, que o governo está demissionário e que o Sr. Liberato Pinto, bem como Machado Santos, estão diretamente envolvidos no movimento.
O “Diário de Lisboa” de 23 de maio noticia também a concentração de tropas (todas as unidades da 1.ª Divisão dos Sapadores do Caminho de Ferro; 1.º grupo de Metralhadoras; Grupo de Artilharia a cavalo de Queluz; e Metralhadoras do Lazareto) no Alto da Ajuda, entre as 4h e as 10h da manhã, sob o comando do general Pedroso de Lima
Na sequência deste golpe tomou posse o 26.º governo republicano, presidido por Tomé de Barros Queirós, que esteve no poder pouco mais de 3 meses (entre 23 de maio de 1921 e 30 de agosto de 1921) e de que fizeram parte os seguintes ministros: o das Finanças era o próprio Tomé de Barros Queirós que já o havia exercido e que agora o acumulava com a presidência; o do Interior estava entregue ao general Abel Hipólito; o da Justiça e Cultos competia a José do Vale Matos Cid; o da Guerra foi entregue a Alberto Carlos da Silveira; o da Marinha exerceu-o o advogado Ricardo Pais Gomes (que já tinha desempenhado o mesmo cargo no governo de António Granjo, de 19 de julho a 20 de novembro de 1920; e manter-se-ia no governo seguinte, também presidido por António Granjo, de 30 de agosto a 19 de outubro de 1921); o dos Negócios Estrangeiros foi dado a Melo Barreto, que já o vinha desempenhando no governo anterior; o do Comércio, desempenhou-o, primeiro, António Granjo (até 10 de agosto), depois, foi Fernandes Costa (que já vinha do governo anterior); o das Colónias, exerceu-o Celestino de Almeida; o da Instrução Pública, Ginestal Machado (que também veio do governo anterior); o do Trabalho assumiu-o Júlio Ernesto de Lima Duque (já tinha exercido estas funções no governo de António Granjo); e o da Agricultura coube ao professor de Agronomia, Manuel de Sousa da Câmara.