Aviadores portugueses fazem a primeira travessia aérea do Atlântico Sul
Há 100 anos, os portugueses voltaram a estar nas bocas do mundo, graças à primeira viagem de travessia aérea do Atlântico Sul, que começou em março de 1922, estabelecendo, pela primeira vez, a ligação da Europa (Portugal) à América do Sul (Brasil), tal como, 422 anos antes, havia feito Pedro Álvares Cabral, só que dessa vez, por mar. Os heróis desse feito da República, já em fase de decadência, foram os aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral que chegaram ao Brasil em meados 1922, no âmbito das comemorações do 1.º centenário da independência do Brasil. No regresso, seriam recebidos em êxtase pelo povo português, de Norte a Sul.
Gago Coutinho e Sacadura Cabral no momento da partida (in “Ilustração Portugueza, n.º 842, de 8-4-1922)
Pelo retumbante êxito da viagem aérea ao Brasil, em março de 1922, dos nossos extraordinários aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que impressionou fortemente todo o mundo civilizado, foram-lhe prestadas homenagens em muitos pontos do país, tendo a cidade do Porto, onde os dois heróis nacionais tinham arreigadas amizades, excedido todas as provas de admiração e afecto por esses gloriosos portugueses.
O itinerário percorrido pelos intrépidos aviadores
Recordamos que a viagem começou no Rio Tejo, às 7 horas da manhã do dia 30 de março de 1922, a bordo do Lusitânia, sob o comando de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e tinha como destino final o Rio de Janeiro.
Esta aventura histórica era apoiada em mar pelos navios de guerra República, Cinco de Outubro e Bengo. A viagem conheceu várias fases e bastantes peripécias, para assistir os 3 hidroaviões que foram utilizados.
Consideram-se, normalmente, apenas 4 etapas: a 1.ª corresponde ao trecho de viagem entre Lisboa e Las Palmas (na Grande Canária) que durou 8 horas e 37 minutos, na qual tudo correu mais ou menos bem. Daqui voaram para Gando (onde hoje se situa o Aeroporto da Ilha) para terem melhores condições de voo; a 2.ª etapa, começou na madrugada do dia 5 de abril e ligou Gando a S. Vicente (Cabo Verde), demorando 10 horas e 43 minutos; a 3.ª etapa, começou a 18 de abril, durou 7 horas e 55minutos, já com o percurso pré-delineado ligeiramente alterado por razões de insuficiência de combustível e teve como destino os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, já não muito longe da costa brasileira, onde se faria o reabastecimento a partir dos navios de apoio (mas a descida não correu bem e o hidroavião ficou danificado, tendo valido o pronto socorro do cruzeiro República que salvou os pilotos e o equipamento); na 4.ª etapa, o novo hidroavião partiu da Ilha de Fernando de Noronha, na manhã de 11 de maio, mas os aviadores fizeram questão de voltar a sobrevoar os Penedos de S. Pedro e quando se dirigiam já para a costa do Brasil, o motor parou e tiveram de fazer uma amaragem de emergência (a longa espera por apoio, fez com que o hidroavião se afundasse, uma vez que os flutuadores deixavam entrar água); a 5 de junho, já a bordo do último hidroavião (o 3.º Fairey, depois batizado com o nome de Santa Cruz de que dispunha a Aviação Naval Portuguesa, que hoje se encontra no Museu da Marinha, em Lisboa), os destemidos aviadores portugueses, concluiriam a sua grande proeza, com paragens no Recife, Baía, Porto Seguro, Vitória, e, finalmente, Rio de Janeiro, onde amarou no início da tarde de 17 de junho de 1922.
Quando se iniciou esta heroica viagem, o “Diário de Lisboa”, de 31 de março de 1922, na sua 1.ª página, pela pena do ilustre poeta e escritor leiriense, Afonso Lopes Vieira, e sob o título “Vôo de gloria” escreve, a dado momento, o seguinte: «(…) Gago Coutinho e Sacadura Cabral inspiraram-se e levaram consigo o mesmo heroismo que concebeu e realizou os Descobrimentos nacionais. Não é uma partida de aventureiros doidamente audazes, como fantasia entregue aos acasos da fortuna. / Este raid português descende em linha recta dos raids maritimos de Quatrocentos, porque é um maravilho mas consciente esforço da sciencia de voar. E é isto que o torna dobradamente heroico e belo! / Como os nossos navegadores, dos quais lá diz Pedro Nunes que levavam cartas bem rumadas, os nossos aviadores envolveram tambem o seu heroismo nas forças superiores do calculo mediato, da razão luminosa e calma, os quais encerram tão magico poder que do mesmo modo sagravam de belesa heroica a acção quando esta não atingisse a meta desejada. E tal, como sucedia com os homens do Infante, a sciencia, de que estes homens do ar se apetrechavam creou-se em Portugal e forneceu aparelhos novos. / Sim; a alma de Portugal voga neste momento no azul, sobre o mar… Na alegria divina da acção, liberta do morbido ambiente, ela esplende e recupera-se (…)».
A 17 de junho de 1922, quando os heroicos aviadores portugueses chegaram ao Rio de Janeiro, o Presidente da República, António José de Almeida, proferiu as seguintes palavras: «Nesta hora de velhas façanhas rejuvenescidas de antigas glorias que jorram de fontes que pareciam secas, todos os corações portugueses devem estar com os tripulantes do avião-aguia da lenda que leva nas possantes azas arqueadas, o prestigio, a gloria, a fortuna moral de um povo inteiro.»
Recordando Gago Coutinho e Sacadura Cabral
Gago Coutinho nasceu em Lisboa em 1869 e aí viria a falecer aos 90 anos de idade (1959). Foi Almirante da Armada Portuguesa, importante matemático e geógrafo, que teve o mérito de adaptar o clássico sextante da navegação marítima portuguesa à navegação aérea, que lhe permitiu, com Sacadura Cabral, fazer a primeira travessia aérea do Atlântico e tornar seu nome admirado, até hoje, na aeronáutica mundial.
Sacadura Cabral nasceu em Celorico da Beira em 1880 e viria a falecer no Mar do Norte, em novembro de 1924 (com apenas 44 anos), na sequência da queda de um avião que pilotava a caminho de Lisboa (o seu corpo nunca chegou a aparecer). Oficial de Marinha Portuguesa (Capitão-de-Fragata) e arrojado aviador, foi de sua iniciativa a preparação da 1.ª travessia aérea do Atlântico Sul.