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Outubro 31 2018

 A “Festa da Flor” e um “Serão de Arte”

 Uma das associações que se encarregou de angariar fundos para os nossos expedicionários foi a “Cruzada das Mulheres Portuguesas” fundada no dia 20 de março de 1916, por iniciativa de um grupo de mulheres, entre as quais se encontrava Elzira Dantas Machado, a esposa do então Presidente da República, Bernardino Machado.

Os seus Estatutos foram aprovados por Alvará do Governo Civil de Lisboa a 19 de agosto de 1916 e existiu até ao início do Estado Novo, tendo sido sua última Presidente, Ana de Castro Osório. Para além de iniciativas como a Festa da Flor, que ocorreu em várias cidades e vilas do país, onde a Cruzada das Mulheres Portuguesas tinha os seus núcleos, organizou, em 1917, cursos de enfermagem destinados a formar enfermeiras para servirem nos hospitais militares do País e nos corpos expedicionários.

A 1.ª Festa da Flor de Lisboa teve lugar há cem anos, ocorreu na tarde do dia 15 de março de 1917, antecipando, em cerca de uma semana, o calendário de entrada na “Primavera”. Pelos relatos da imprensa do tempo, as senhoras da alta sociedade lisboeta desceram às ruas e praças da cidade, misturaram-se com o povo e, em troca de uma flor colocada ao peito de cada homem que encontravam, recebiam um donativo em dinheiro, que, todo somado, deu algumas dezenas de contos, como informa a “Ilustração Portuguesa”, de 26 de março de 1917.

O jornal republicano conservador “A Opinião”, de 15 de março de 1917, noticia com mais pormenor a 1.ª “Festa da Flor”, da capital, a favor dos combatentes portugueses na Grande Guerra, a que, segundo aí se escreve, aderiu a população de Lisboa tendo evidenciado significativo entusiasmo: «a população da capital, sempre generosa e bôa, soube corresponder, com uma tocante unanimidade, á sympathica iniciativa tomada por algumas senhoras da nossa sociedade elegante. Festa de graça, festa de beleza, tao humanitaria pelos seus fins, como encantadora pela forma da sua realização, quem entre nós, lhe poderia negar o seu concurso?».

De acordo com o jornal “A Opinião”, às duas horas da tarde, uma Comissão da entidade organizativa foi recebida em Belém. O Presidente da República, Bernardino Machado «esteve conversando com as senhoras uma das quaes lhe colocou á lapela uma flôr, recebendo em seguida um donativo importante».

Às 3 da tarde, relata o mesmo periódico, «a venda da flor tomou grande intensidade, espalhando-se pela cidade 160 senhoras, que entravam nos carros electricos, faziam parar os automóveis, visitavam bancos, redacções, etc. / O Banco de Portugal deu um conto de reis e o Montepio Geral, duzentos mil reis.»

Em frente ao Parlamento, as senhoras também receberam valiosos donativos dos deputados e senadores. Os ministros deram 10$000 reis cada um.

«Algumas senhoras que passavam na rua do Carmo colocaram flores ao peito dos moços de fretes. Nem um deixou de dar o seu obulo. O mesmo sucedeu n’outros pontos da cidade. Um inglez declarou que queria bater o record das flores dando por cada uma 500 réis. Ás 4 horas da tarde possuia 20. Damas elegantes vestidas entravam em tabernas e carvoarias. O acolhimento foi sempre o mesmo em toda a parte».

Cerca de 15 dias depois da “Festa da Flor” acima recordada, faz-se agora alusão a outra iniciativa destinada ao apoio aos nossos combatentes na Grande Guerra – Um Serão de Arte, no qual estiveram envolvidos Sousa Lopes e Afonso Lopes Vieira.

O 1.º como artista, mas seria também soldado. Adriano de Sousa Lopes  nasceu em Vidigal, nas proximidades de Leiria, no dia 20 de fevereiro de 1879. Foi um pintor ligado ao movimento modernista português. A sua primeira exposição individual foi precisamente esta, em finais de março de 1917. Seria também neste ano que partiria para a Frente de Combate como oficial artista, imortalizando, pela pintura, muitos dos momentos em que participou o exército do Corpo Expedicionário Português. Alguns dos seus quadros estão atualmente no Museu Militar Português. Em 1978, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu o seu nome a uma das ruas da capital.

O 2.º, Afonso Lopes Vieira, teve a honra de inaugurar a Exposição. Lopes Vieira nasceu em Leiria um ano antes do conterrâneo pintor (26 de janeiro de 1878) e já era então um reputado poeta nacional. Frequentaria a Universidade de Coimbra, tornando-se bacharel em Direito, no dealbar do século. Ainda tentou dedicar-se à advocacia, como o pai, mas seriam as letras a sua vocação e realização profissional.

Mas voltando ao Serão de Arte a que acima aludimos, entre os vários meios de comunicação que se lhe referem, optámos por transcrever algumas passagens de “O Seculo”, do dia 29 de março de 1917, edição da noite, onde, na sua primeira página, faz referência a essa primeira Exposição do pintor Sousa Lopes que ocorreu na noite de 28 de março de 1917, há cem anos, no Salão da Sociedade Nacional de Belas Artes. O produto desta Exposição reverteria a favor dos feridos da Guerra.

A Exposição, segundo este periódico, contava «com mais de duzentos quadros, perto de cem desenhos e aguas-fortes, esculturas, retratos, paisagens, manchas, figuras, sombras, bustos (…)».

Este Serão de Arte teve no ato inaugural, a convite do artista, a presença do poeta leiriense Afonso Lopes Vieira que, a certa altura afirmaria: «O pintor Sousa Lopes sente, como nós sentimos todos, que a nossa epoca deve ser de absoluta, de fervente, de heroica solidariedade com os que combatem. E se a guerra, até agora, nos interessava já tão diretamente, como portuguezes e latinos, esse interesse passou a ser o da nossa propria alma e do nosso próprio sangue, desde que nas linhas de combate, ao norte de França, se encontram (…) soldados que o nosso paiz enviou para a frente».

Mais adiante, no discurso que foi publicado em vários jornais, Afonso Lopes Vieira revela outra razão de esta Exposição tratar também da Guerra e do seu resultado pecuniário reverter a favor dos nossos combatentes: «é que ele proprio vae partir dentro em breve para o campo de batalha, para pintar aí os aspetos mais belos que a nossa cooperação militar vier a produzir. O artista é, pois, um soldado que combaterá com os seus pinceis, como os outros combatem com as suas armas, e vae combater por honra de Portugal e da nossa Arte, servindo ao mesmo tempo um ideal de pintor e de portuguez».

publicado por viajandonotempo às 19:14

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