COMO FUNCIONOU O DIREITO DE VOTO NA I REPÚBLICA
Na verdade, a 1.ª República, iniciada há cem anos atrás, foi uma arrojada tentativa de politizar o povo português catapultando-o para a participação esclarecida na vida política dos seus municípios e do seu país. No entanto, como veremos, os códigos eleitorais republicanos ficaram muito aquém do desejado sufrágio universal.
No que respeita aos códigos eleitorais, os primeiros diplomas do regime republicano foram os Decretos de 14 de Março e de 5 de Abril de 1911, da responsabilidade do Ministério do Interior, então presidido pelo Dr. António José de Almeida , que regulavam a eleição dos Deputados à Assembleia Nacional Constituinte, e que, ao contrário do que sempre tinha defendido o Partido Republicano, definiam a capacidade eleitoral do seguinte modo: «São eleitores todos os portugueses maiores de 21 anos que saibam ler e escrever ou forem chefes de família. Não há outras excepções alêm dos inválidos, interditos ou pronunciados, não podendo votar tambêm os portugueses por naturalização». Esta legislação dividia o país em 48 círculos plurinominais, tendo ficado consignado o princípio da representação de minorias.
A médica Dr.ª Carolina Ângelo, viúva, na sua qualidade de chefe de família e na ausência de qualquer disposição que excluísse o sexo feminino do direito de voto, foi a 1.ª mulher a votar em Portugal
Em 3 de Julho de 1913, porém, o primeiro Congresso da República (O Congresso da República resultou do desdobramento da Assembleia Nacional Constituinte em Câmara dos Deputados e Senado, cujos membros teriam de ter, pelo menos, 25 e 35 anos, respectivamente) votou o novo Código Eleitoral que estabelecia novos requisitos para os eleitores: tinham de ser do sexo masculino, maiores de 21 anos, e saber ler e escrever. Este novo Código Eleitoral é redutor da capacidade eleitoral, comparativamente aos decretos de 1911, uma vez que retira o direito de voto a todos os chefes de família analfabetos, e explicita que o eleitor tem de ser do sexo masculino.
A iniciativa legislativa pertencia tanto aos deputados como aos senadores, ou ao Governo excluindo-se apenas os projectos de lei sobre determinadas matérias, previstas no texto constitucional, da exclusiva competência da Câmara dos Deputados.
O poder legislativo pertencia exclusivamente ao Parlamento, sem a possibilidade de veto por parte do Presidente da República, estando mesmo prevista uma forma de promulgação tácita no caso de o Chefe de Estado não se pronunciar no prazo de 15 dias.
Era também o Congresso que elegia o Presidente da República, podendo igualmente destituí-lo, mas o Presidente não tinha o direito de dissolver as 2 câmaras
Mais uma vez se inviabilizava o sufrágio universal em Portugal, ao contrário do que sucedia noutros países europeus, como na Alemanha, Itália, Áustria, Montenegro, Suécia e Suíça. O número de eleitores continuava praticamente igual ao existente no tempo da Monarquia.
Além disso, o recenseamento era facultativo, e a actualização do cadastro, era da competência dos chefes das secretarias municipais, o que poderia ser uma "porta aberta" para o caciquismo e uma certa manipulação do número de eleitores, situações que o Partido Republicano tanto criticara na extinta Monarquia.
O espaço fronteiro à Câmara de Lisboa no dia da proclamação da República (5-10-1910)
Para além das exclusões habituais (habitualmente eram impedidos de votar, os alienados e interditos, falidos e pronunciados por delitos políticos, os indigentes e condenados como vadios e os naturalizados há menos de dois anos), esta Lei n.º 3, retirava o direito de voto aos militares e membros das polícias no activo, que, a partir de Junho de 1915, voltaram a ver reconhecido esse direito, limitado, no entanto, aos militares e polícias que soubessem ler e escrever. Efectivamente, no dia 1 de Junho de 1915, foi promulgada a Lei 314 que, juntamente com o Código Eleitoral de 3.7.1913, e a Lei 294, de 20.1.1915, passou a constituir a legislação aplicável em matéria eleitoral. Esta nova lei procedeu também a uma nova divisão eleitoral do país: 1 círculo uninominal; 1 círculo plurinominal de 2 deputados; 27 de 3 deputados; 11 de 4 deputados; 3 de 8 deputados; Lisboa com 2 círculos de 8 deputados cada um; e o Porto, 1 só círculo, também com 8 deputados. Afastados, quase definitivamente, do direito de votar ficaram os chefes de família, que não soubessem ler e escrever.
Só o Sidonismo, com o Decreto de 11 de Março de 1918, que declarou o sufrágio universal, voltou a capacitar como eleitores os homens iletrados com mais de 21 anos. O Sidonismo também tornou a eleição presidencial directa. Aliás, o próprio Sidónio Pais, seria eleito Presidente da República por este processo, nas únicas eleições presidenciais directas que ocorreram entre 1910 e 1926.
Após a queda do Sidónio, a Lei de 1 de Março de 1919, repôs as restrições eleitorais anteriormente existentes. Esta Lei foi pressionada pela generalizada contestação das organizações políticas da “República Velha”, que não aceitavam o sufrágio universal decretado pela “República Nova” de Sidónio Pais.