O desastre das Ponte das Barcas
(Porto - 1809)
Completam-se precisamente hoje 200 anos sobre o Desastre da Ponte das Barcas.
Trata-se de uma Ponte sobre o Rio Douro, entre o Porto e Gaia, construída em 1806 e aberta ao trânsito no dia 15 de Agosto. Era constituída por vinte barcas ligadas entre si por cabos de aço. Sobre essas barcaças estava uma plataforma de pranchas de madeira que era o “pavimento” dessa ponte que vinha facilitar, e muito, a travessia de milhares de pessoas entre os dois lados do rio.
No dia 29 de Março de 1809, durante a 2.ª Invasão Francesa a Portugal, chegava ao Porto o general Soult (precisamente no dia do seu aniversário), à frente de muitos milhares de soldados de Napoleão, depois de ter vencido diversos focos de resistência por todo o Minho e Douro Litoral. Os portuenses conheciam bem os modos bárbaros e sanguinários dos franceses desde o ano anterior, por isso, o pânico apoderou-se deles e instalou-se a palavra de ordem: “Salve-se quem puder!”.
Aliás, a vida na cidade do Porto, na semana que antecedeu o Desastre, já era terrível, perante a certeza da chegada dos invasores, como se pode ver pela transcrição que a seguir se faz dum artigo saído no “Jornal de Notícias” de 22 de Março de 2009:
«Os portuenses desorientam-se. Os socorros pedidos para a capital não chegam. O pânico é geral.
As ruas da cidade são percorridas por uma turba desvairada que exige vingança contra os "jacobinos" ou "afrancesados". A desorientação é total. As lojas e as oficinas encerram as portas. Nas torres das igrejas os sinos não param de tocar a rebate. Na antiga Praça do Olival, actual Campo dos Mártires da Pátria, o povo instala um tribunal revolucionário para julgar os colaboracionistas.
Instala-se na velha urbe uma verdadeira caça ao homem. Do diário de um observador directo dos acontecimentos consta que "a plebe armada passa em magotes pelas ruas vociferando e matando…"
Nas ruas, nas praças ouve-se a cada passo o grito de "jacobino, é jacobino" e a pessoa apontada a dedo era imediatamente linchada por uma multidão enfurecida e tresloucada.
Já ninguém anda seguro pelas ruas do Porto. Há quem não ouse sequer sair de casa. E mesmo aqui ninguém está livre de ser incomodado. Diz-se ainda no referido diário: "… batem à porta de um cidadão, acusam-no de traidor, arrastam-no para a rua" levam-no ao tal tribunal revolucionário onde o espera a condenação sem apelo nem agravo. Este era o ambiente de horror e de medo que se vivia no Porto há duzentos anos, precisamente no dia 22 de Março de 1809.
Foi exactamente nesse dia que, na rua de Cedofeita, uma turba enfurecida assaltou a casa do chanceler das Justiças, Manuel Francisco da Silva e Veiga Magro de Sousa. À altura destes acontecimentos estava velho e doente. Não houve, por isso, qualquer contemplação para com ele. Arrancaram-no ao leito e levaram-no em cadeira de rodas para a Praça do Olival onde seria julgado e, o mais certo, condenado à morte. Foi salvo por elementos da Leal Legião Lusitana que o arrancaram do meio da multidão e o conduziram ao bispo, D. António de S. José de Castro que desempenhava as funções de governador militar da cidade. Para proteger o chanceler, o prelado mandou-o encarcerar no aljube.
Ainda nesse dia, a plebe armada atacou a o edifício da Cadeia e arrancaram do seu interior o brigadeiro Luís de Oliveira da Costa e Almeida Osório. Ao fim de um tumultuoso julgamento sumário, onde houve de tudo menos de julgamento, este militar, depois de ouvir os maiores insultos e sofrer os mais vis vexames foi assassinado e o seu corpo levado de rastos até ai margem do douro a cujas águas foi lançado. Igual destino teve o cadáver de João da Cunha Araújo Portocarrero, comandante de uma das baterias de defesa da cidade e pertencente à ilustre família dos Portacarreros da Casa da Bandeirinha. Fora assassinado por uma multidão em fúria no antigo Largo do Padrão das Almas, actual Largo do Padrão. O cadáver seminu ficou abandonado sobre as pedras da calçada durante todo um dia.
Parece que o número de assassinatos na via pública terá ultrapassado a dúzia. Houve também quem tivesse sido vitima de saque. Muitas casas de funcionários foram assaltadas e os seus bens roubados.
Entretanto os franceses aproximavam-se do Porto».
O único refúgio parecia estar no atravessamento do rio Douro em direcção a Gaia. Tanta gente, ao mesmo tempo sobre a ponte, fez com que acontecesse o Desastre. Hoje, correm duas versões, sobre a explicação da Tragédia: uns dizem que, perante tamanho peso, as barcas começaram a afundar-se, as pranchas a despregarem-se e as pessoas começaram a cair ao rio, aos milhares; outros dizem que os de Gaia, tacticamente para se protegerem da travessia dos soldados franceses, abriram o alçapão da ponte, onde a multidão em fuga, começou a cair à água, os da frente ainda procuraram deter-se, perante o perigo, intentando um movimento de recuo, mas era impossível suster tanta gente impelida pelo medo, que se empurra com desesperada ânsia de se pôr a salvo.
Aqueles que caíam à água e que procuravam salvar-se, nadando, não o conseguiam porque havia quem no desespero se lhe agarrasse e lá iam todos para o fundo.
Mais de 4000 portuenses morreram nessa horrível tragédia. Se tivessem enfrentado os franceses, provavelmente o n.º de vítimas seria menor. Mas ninguém podia adivinhar a ocorrência de tal desastre.
No local existe um pequeno monumento evocativo dessa tragédia, da autoria do Mestre Teixeira Lopes, a que o povo da Ribeira faz culto, colocando flores e acendendo velas às “Alminhas da Ponte”.
Mais tarde, no mesmo local, construiu-se outra ponte, mais robusta, sobre 33 barcas, onde assentava um estrado de madeira com grades laterais. Nos períodos sujeitos às cheias do rio Douro, a ponte era desarmada, evitando-se assim que a corrente das águas a destruísse.
Finalmente, no dia 17 de Janeiro de 1843 é inaugurada a ponte Pênsil, com um comprimento de 170,14 metros. Foi a primeira ponte de tabuleiro elevado, a cerca de 10 metros acima do nível das águas.