ESTÁVAMOS EM JULHO DE 1921- HÁ CEM ANOS
Retratos de alguns dos eleitos nas eleições legislativas de 10 de julho de 1921 (in “Ilustração Portuguesa”, edição de 23-7-1921)
Em julho de 1921, há cem anos, ocorreram as sextas eleições legislativas do período da Primeira República (1910-1926) e foram as primeiras que o Partido Democrático, herdeiro do Partido Republicano Português, enquanto concorrente, perdeu. Sabe-se que este complicado período da história de Portugal, no primeiro quartel do século XX, ficou marcado por grande instabilidade política, que é bem manifesta em quase meia centena de governos em pouco mais de 15 anos. Mas essa instabilidade tinha sobretudo origem na intensa atividade parlamentar que rapidamente retirava o apoio a um governo, obrigando à sua substituição por outro. Além da luta partidária a sucessão de governos está associada também à agitação social e à frequente interferência dos militares, sobretudo da GNR, nas instituições políticas. No dia 10 de julho de 1921 foi o Partido Republicano Liberal quem venceu as eleições legislativas.
Recordo que a Primeira República foi responsável por muitas mudanças, algumas delas ainda hoje estão em vigor. E as maiores alterações estruturais foram determinadas logo pelo Governo Provisório que era presidido pelo republicano açoriano Teófilo de Braga. Foi aprovada a lei da Separação da Igreja e do Estado, decretada a proibição do ensino religioso nas escolas, deliberada a nacionalização dos bens da Igreja, legalizado o divórcio, determinada a liberdade e igualdade conjugais na sociedade, prevista a escolaridade obrigatória para os dois sexos até aos 10 anos, consagrado o direito à greve e ao lockout e procedeu-se ainda à substituição da Bandeira e do Hino nacionais. Foi criada também uma nova moeda para substituir o real, o escudo, mil vezes mais valiosa do que a moeda anterior.
Mas hoje vamos falar das eleições legislativas da Primeira República que serviam para eleger o Congresso, constituído por duas câmaras: a Câmara de Deputados e o Senado. Houve eleições legislativas nas seguintes datas: 28 de maio de 1911, 16 de novembro de 1913, 13 de junho de 1915, 28 de abril de 1918, 11 de maio de 1919, 10 de julho de 1921 e 29 de janeiro de 1922. A capacidade eleitoral era, basicamente, reconhecida aos cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos, que soubessem ler e escrever. Algumas mulheres mais politizadas e até ligadas ao republicanismo travaram uma luta perdida pelo reconhecimento do direito de voto ao género feminino.
As penúltimas eleições legislativas da República foram então no dia 10 de julho de 1921 e deram a Vitória ao Partido Republicano Liberal, que representou a unificação dos evolucionistas, unionistas e centristas, em 1919, com 48,5% dos votos. Os Democráticos triunfaram apenas em Lisboa, tendo obtido, a nível nacional, 33,1% dos votos. Os Liberais elegeram 79 deputados (em 163), contra os 54 eleitos pelos Democráticos. O Partido Republicano de Reconstituição Nacional elegeu 12 deputados. Os restantes 18 lugares da Câmara de Deputados foram distribuídos por pequenas formações partidárias: 5 Independentes, 4 Monárquicos (foi a primeira vez que foram a votos na Primeira República), 3 Católicos, 3 Dissidentes, 2 Regionalistas e 1 deputado eleitos pelos Populares.
As reações da imprensa republicana são imediatas. O “Diário de Lisboa” do dia 11 de julho, por exemplo, relativamente às eleições da véspera, traz o seguinte título, em jeito de pergunta, na 1.ª página: “Mas o governo consegue obter a maioria no paiz? Esta interrogação, sem regozijo por parte de pessoa alguma, até dos adversarios, anda á hora a que fechamos esta primeira pagina, na boca de toda a gente». Noutro espaço da primeira página, do mesmo diário, afirma-se: «O Sr. Machado Santos, numa entrevista que hoje concedeu a um jornalista, e que ámanhã virá a publico, afirmou: “Desde o momento em que o governo fechou a porta do Parlamento ao fundador da Republica para abri-la aos monárquicos, só me resta um caminho: a revolução”». Na página 5, do “Diário de Lisboa” da mesma data, ainda a respeito deste ato eleitoral, as hesitações quanto ao resultado final, são bem evidentes nos títulos: “Um Dia Depois do Acto Eleitoral / Tudo leva a crêr que o governo obtenha no país uma muito débil maioria / 83 deputados governamentais».
E os jornais tão afoitos em dar notícias em cima do acontecimento (recorde-se que, neste tempo, o jornal era a única fonte de informação que existia), surpreendiam-se com as dificuldades em saberem ao certo os resultados eleitorais que se haviam verificado um pouco por todo o país, conforme se verifica neste excerto do “Diário de Lisboa”, de 11 de julho: «Por motivos que não conseguimos espiolhar, desta vez o apuramento eleitoral geral caracteriza-se por uma grande indecisão e demora telegrafica. Ao meio da tarde de hoje, circulos havia de onde tinham sido remetidos, oficialmente, apenas pequenos apuramentos por freguesias, sem darem idéa perfeita. O governo não faz idéa ainda segura, nem o pode fazer, do numero de candidatos triunfantes das suas listas. O mesmo sucede com os democraticos. Sabe-se que o Sr. Antonio Maria da Silva não tem informações positivas dos circulos que muito interessam o seu partido, e Vila Real, por exemplo, que deve ter oferecido, pelas nossas informações particulares, uma maioria ao Partido Republicano Portugues, oficialmente para governo ou para o directorio, não deu de si, o mesmo sucedendo por Bragança, favorito para os reconstituintes, que ás 15 horas não sabiam nada certo ou incerto».
O jornal “A Capital” de 11 de julho abria a primeira página com o título “A eleição de Lisboa”. E em letras garrafais escrevia «A eleição de monarquicos por Lisboa foi uma consequencia da desunião dos republicanos. Não é um sintoma de força dos adversarios da Republica. É simplesmente, mais uma vez, a constatação de que os republicanos só se juntam quando a Republica está em perigo, esquecendo-se que ela não se defende só com as armas na mão, mas tambem pelo exercicio consciente do mais sagrado direito democrático: o da escolha dos representantes da nação. Que o facto constitua um aviso e sirva de exemplo a todos os republicanos».
A “Ilustração Portugueza” na edição de 23 de julho de 1921 (conforme foto que se publica a ilustrar este artigo) começou a divulgar o retrato dos deputados e senadores eleitos nestas últimas eleições legislativas. Neste caso, faz-se referência à eleição de três “Democráticos”: Afonso Costa, António Maria da Silva e Norton de Matos; e de três Liberais”: Brito Camacho, Tomé Barros Queirós e Ladislau Parreira.
Já com a certeza da vitória do Partido do Governo (Republicano Liberal), mas sem maioria absoluta, o “Diário de Lisboa”, na sua edição de 12 de julho, entrevista um candidato de cada um dos 4 partidos que foram derrotados neste ato eleitoral, para saber eventuais causas do insucesso e a atitude que vão tomar perante o governo, ao mesmo tempo que coloca o antetítulo “Caminha-se para uma revolução ou para a dissolução do novo Parlamento?”.
Curiosamente, o 1.º entrevistado, o Reformista general Gomes da Costa, diz que não entrará em nenhuma Revolução, apesar do chefe desse Partido, Machado Santos, ter dito na véspera que só lhe resta esse caminho (como sabemos, menos de 5 anos mais tarde, seria mesmo o general Gomes da Costa a iniciar a Ditadura Militar, com a Marcha para Lisboa, a partir de Braga, iniciada no dia 28 de Maio de 1926). O 2.º entrevistado, Tamagnini Barbosa, próximo de Sidónio Pais e representante do Partido Presidencialista diz que se algum movimento revolucionário for tentado o seu Partido manifestar-se-á como «um intransigente defensor do regime». O entrevistado seguinte foi o dirigente do Partido Socialista, Ramada Curto, que, quanto à revolução anunciada e questionada, disse «Nós não fazemos revoluções para conquistar o poder». Finalmente, Afonso de Macedo, do Partido Popular, que não conseguiu ser reeleito pelo círculo de Torres Vedras, acredita numa futura revolução ou na dissolução do Parlamento.
E na verdade, em 1926, ocorreria a chamada Revolução Nacional que marcaria quase meio século de ditadura, terminada apenas com o triunfo do “25 de Abril” de 1974.