HÁ 150 ANOS QUE NINGUÉM É CONDENADO À MORTE EM TERRAS LUSAS
No passado dia 1 de julho passaram 150 anos sobre a data da Lei Portuguesa que acabou com a Pena de Morte. O art.º 1.º da referida lei declara “Fica abolida a pena de morte” e o art.º 3.º refere “Aos crimes a que pelo codigo penal era applicavel a pena de morte, será applicada a pena de prisão cellular perpetua”.
Início da Lei de 1-7-1867 que acaba com a pena de morte em Portugal
Portugal foi um dos primeiros países da Europa e do mundo a acabar com esta pena cruel de tirar a vida. Mas, na prática judicial, já ninguém era condenado em Portugal à pena máxima, desde pelo menos 1846.
Um homicídio violento foi o crime cometido por um combatente absolutista, que seria julgado duas vezes por esse crime, de que resultou a última condenação à pena de morte por crimes civis em Portugal. O último executado chamava-se José Joaquim, mais conhecido como “o Grande”. Terá cometido uma violação e um homicídio, aos 31 anos, na região de Lagos, no Algarve, em 1833, sendo executado nessa cidade algarvia 13 anos mais tarde, ou seja em 1846.
É bem conhecido também o último executado em Leiria. Esta execução da pena capital ocorreu 5 anos antes da de Lagos. Foi no dia 20 de agosto de 1841, tinha apenas 25 anos, e antes de ser enforcado, por crimes relacionados também com a conflitualidade das lutas liberais, deixou ao padre que o assistiu nos últimos momentos de vida este documento, que passo a transcrever:
«Testamento do enforcado João Marques Amado / Ultima disposição que em nome de Deus faz João Marques Amado, de idade de 26 para 27 anos [investigação que fiz evidencia que esta referência está errada, uma vez que nasceu na freguesia e concelho de Arega, no dia 10 de setembro de 1815, por isso, quando foi executado tinha 25 anos, quase 26], natural da vila d’Arega, conduzido ás cadeias de Leiria, preparado pela misericordia de Deus com os santos sacramentos da Igreja católica, e disposto a subir ao patibulo d’aqui a pouco: Declaro e confesso que fui o mais infeliz dos homens por meus crimes, de que tenho pedido a Deus perdão muito arrependido das ofensas gravissimas que fiz contra sua infinita Bondade; aceito resignado a morte que mereci, sirva esta horrorosa scena de dezengano e aviso aos moços de minha idade, para se não deixarem arrastar das más e perversas companhias, que me perderam, abusando de meu génio atrevido, fazendo-me esquecer das Santas e Cristãs doutrinas que recebi de meus Pais, e exemplos de minha virtuosa Mãe. Sim ó Moços respeitai, e obedecei a vossos Pais, aproveitai-vos das doutrinas de vossos Mestres melhor do que eu fiz, sendo cuidadozamente recomendado e conduzido por meus Pais á Vila de Chão do Couce para aprender as primeiras letras e depois as Aulas do Seminário de Sarnache: tudo perdi porque acompanhei com os moços tão malvados como eu, fui semelhante a eles libertino e imoral vivi como incrédulo mas nunca o pude ser: não poderão jámais secar-se em mim as raizes da Santa doutrina de meus Pais, e Mestres e da Santa Religião Católica Apostólica Romana que desprezei como eles: fui malvado mas nunca podia ser incrédulo, senão nos momentos e horas da companhia dos maus: a consideração cruel, a vista da morte e do Patibulo me fez atentar contra a minha existencia, querendo tirar-me a mim a vida, mas não podia assim mesmo perder de todo a Fé: e assim protesto à face dos Ceus e da Terra, que creio em tudo que Deus revelou, e a Igreja ensina, que espero salvar a minha alma pelos merecimentos do Salvador, porque me tem feito a mais viva impressão as palavras dos Ministros do Senhor e porque mais não posso, desta maneira fasso esta para cumprir á risca como devo, e sou obrigado por minha consciencia os avisos do Juiz da minha alma cá na Terra. Entrego minha alma a Deus e a Maria Santissima, e aos Santos Anjos no instante da minha morte. Agradeço ás Comunidades e pessoas virtuosas de Leiria, que em suas continuas orações tanto rogaram por minha salvação, agradeço a todos que me assistirão, e uzaram de caridade comigo na prizão: a todos me quero confessar obrigado, a todos pesso perdão de meus escandalos, e gravissimos prejuizos, que já não posso remediar. De todo o coração perdo-o a todos os que concorreram para a minha desgraça: pesso ao Director da minha consciencia declare como e quando convier para cautela e correcção dos Moços, que fui sedusido para fazer as primeiras mortes, e não tive outro motivo mais que fazer a vontade á Autoridade que mo recomendara: não foi a sangue frio que cometi o horroroso assassino do homem a que era obrigado: era por sua causa que eu me julgava perdido, e então reflectindo, que tinha abusado do meu pouco juizo, e natural maldade, em acesso de colera dissimulado rompi naquele excesso, porque deveria sim perder muitas vidas. Peço a minha Mana que soponho ainda vive no termo de Tomar, que cumpra e mande satisfazer as Missas, e algumas esmolas que nossa Mãe nos recomendou por sua alma: peço que faça com que se satisfaça e pague o que eu devia a certas pessoas, que em carta particular lhe deixarei declarado, e religiosas promessas que fiz e não cumpri: avizinha-se o fatal momento vem já os Ministros executores da Justiça de Deus, e dos homens, é forçoso concluir.
Sim adeus ó Moços incautos até ao grande dia do juizo; perdoai todos perdoai vós particularmente de mim ofendido; outra vez clamo acautelai-vos ó moços, vêde, vêde para correção vossa, como subo ao cadafalso na flôr da minha edade. Ministros do Senhor que tanto me assististeis lançai-me pela ultima vez a vossa benção, lembrai-vos sempre da minha alma no altar sagrado; Deus vos recompensará o bem que me tendes feito. Adeus Mundo para sempre. Jesus! Jesus! Jesus! Nas vossas santissimas mãos vou entregar o meu espirito. Para exemplo e desengano eu falaria o mais que por não poder recomendo faça como lhe peço áquele a quem referi a história da minha curta mas desgraçada vida: assinarei outro papel para onde se transcreva com claresa o mesmo que tenho dictado. / Oratório na Cadeia de Leiria, aos 20 de Agosto de 1841 – João Marques Amado.»
Registo de nascimento de João Marques Amado feito pelo Pároco de Arega, Sebastião Henriques. Por aqui se vê que nasceu no dia 10 de setembro de 1815, tendo sido executado em Leiria, no dia 20 de agosto de 1841, com apenas 25 anos.
«Aos dezassete de Setembro de mil oitocentos e quinze nesta Igreja de Arega, baptizou solemnemente de meu mandado nesta Igreja (com meu mandado?) o Padre João Ferreira da Silva, do lugar de Charneca, freguezia de Massans de Dona Maria a João filho legitimo de Antonio Marques Amado, e de Maria da Conceição do Lugar da Castanheira desta freguezia, neto paterno de Antonio Marques Godinho Valente, e de Thereza Maria de Jezus do dito Lugar, e materno de Theotonio Marques e Catharina da Conceição da Venda Nova, freguezia de Massans de D. Maria. Forão padrinhos João Coelho de Souza da Camara, e Sua mulher D. Anna Amada, e testemunhas prezentes Domingos Teixeira todos da Castanheira, e Manoel Antunes da Quinta, todos desta freguezia declaro que nasceo a dez do dito mês, e para constar fis este assento que assignei com as testemunhas era ut supra / O Prior Sebastiam Henriques / Manoel Antunes / Domingos Teixeira».