ASSASSINADO EM 14 DE DEZEMBRO, FOI A ENTERRAR DIA 21 DE DEZEMBRO
Hoje, dia 21 de dezembro, completam-se cem anos sobre um dos mais concorridos funerais que Lisboa presenciou, o do único presidente da República assassinado durante o exercício do cargo, Sidónio Pais. O Panteão Nacional, onde ele se encontra sepultado, desde a abertura do monumento, em 1966, inaugurou, no mês passado, uma exposição que inclui objetos pessoais que, pela primeira vez, foram expostos ao grande público. Sidónio Pais foi o primeiro Presidente da República que se preocupou com a sua imagem, tendo especiais cuidados na forma como era fotografado e como aparecia em público. Também a ele se deve a fundação do Serviço de Audiovisuais na Grande Guerra, que criou filmes da participação portuguesa na Guerra e de algumas viagens presidenciais no país. Uma curiosidade é que o seu túmulo é o único no Panteão que, desde 1966, tem sempre flores frescas.
Da reportagem sobre o seu funeral, que saiu na “Ilustração Portuguesa” de 30 de dezembro, extraímos alguns excertos, que são bem ilustrativos do que se passou nesse dia: «Aos vivos crêmos que em nenhum ha memoria de se terem derramado tantas lagrimas, de se haver manifestado uma dôr tão intensa e conunicativa na passagem de um morto querido a caminho do eterno repouso. (…) Só quem percorreu lentamente, parando dezenas de vezes pelo caminho, a distancia de 8 quilometros que vae da Praça do Comercio ao templo dos Jeronimos, dando a volta pelo Rocio, por entre alas compactas de gente de todas as categorias; só quem relanceou os olhos por todas essas portas, janelas, telhados, muros, encostas, arvores, por todas as elevações emfim, d'onde se podia abranger o cortejo, é que não achará exagerado quanto se diga, quanto se imagine dos muitos milhares de pessoas que acudiram, de todos os pontos da cidade e do paiz, levadas da mais viva angustia e veneração, a dizer o ultimo e saudosissimo adeus aos tristes despojos d'aquele homem extraordinario, que tanto soubera fazer e amar e resumia, n'este momento supremo da vida nacional, as nossas melhores esperanças. Pelas ruas e praças havia o recolhimento religioso de um templo, onde o que é terreno emudece ante a sublimidade dos misterios a que o espírito se libra. Os mesmos soluços reprimiam-se, como se todos, n'um supremo esforço, se impuzessem a suspensão da vida. (…) O sangrento motim da Rua Augusta, originado certamente n'um estado de tensão morbida dos espiritos, que não precisava mais para explodir do que a pequena faulha necessaria á polvora, marcou, sem duvida, uma perturbação gravissima no cortejo, não tardando este muito a reatar-se e a retomar a sua marcha imponente. (…) E não se faz idéa do que tinha de empolgante esse extraordinario conjunto de todas as hierarquias sociaes, nobres e plebeus, ricos e pobres, homens de ciencia e de trabalho humilde, corporações oficiaes e particulares de toda a especie representando, sem faltar uma só, as forças vivas do paiz, dirigentes e dirigidas, todas as patentes do exercito e da armada, soldados e marinheiros, altos vultos politicos e funcionarios publicos, representantes dos governos aliados e não aliados, forças da marinha ingleza, franceza e hespanhola, colonias estrangeiras, uma infinidade indestrinçavel de entidades, tudo n'um preslito verdadeiramente colossal, entrecortado de bandeiras, de estandartes, de inumeras corõas, levadas á mão ou em carro e matisado de uma profusão inaudita de flores!. (…) A' passagem do seu cadaver, cujo rosto se via atravez da cupula de vidro da urna, meio coberta pela bandeira portugueza, ninguem poude conter a dôr. Sobre ele choviam flôres e bençãos; chorava-se alto e resava-se de joelhos.»