VIAJANDO NO TEMPO...e no espaço!

Novembro 30 2010

Há cem anos atrás o 1.º Governo Republicano declarava “guerra” à Igreja

 


 

Há cem anos atrás, o Governo Provisório que geria o país desde o triunfo do 5 de Outubro na capital, faz sair diversa legislação que tem como objectivo prejudicar claramente o poder e a tradição religiosos no País.

Um exemplo é o Decreto de 18 de Outubro de 1910, publicado no Diário do Governo do dia seguinte (n.º12, 19/10/1910, p. 97), onde em nome da República decretava o seguinte:

«Artigo 1.º / É abolido o juramento com carácter religioso, qualquer que seja a sua fórmula. / Artigo 2.º / As pessoas que houverem de exercer acidental, temporária ou permanentemente quaisquer funções de carácter ou interesse público, para as quais se tem exigido até agora a prestação de juramento, somente são obrigadas e autorizadas a afirmar, empenhando a sua honra, que cumprirão com fidelidade as funções que lhes são conferidas. / Artigo 3.º / A fórmula desta afirmação será: Declaro pela minha honra que desempenharei fielmente as funções que me são confiadas. / Artigo 4.º / As testemunhas farão, antes do depoimento, a mesma declaração ao respectivo juiz, que poderá explicar-lhes, se o entender necessário, que ela as obriga a dizer a verdade e as sujeita, em caso de falta, às penas de testemunho falso. / § único. / As demais pessoas que, faltando propositadamente a esta declaração, deixarem de cumprir os seus deveres, ficam sujeitas às respectivas sanções penais e disciplinares. (…) / Artigo 7.º / É dispensada toda e qualquer declaração aos estudantes que se matriculem em estabelecimentos de instrução. / Artigo 8º / Em todos os casos não referidos neste diploma, em que as leis anteriores davam qualquer eficácia às afirmações sob juramento, este será substituído pela declaração sob palavra de honra. (…)».

No que respeita à igreja, o essencial é a abolição da religiosidade de todo e qualquer juramento quer nos tribunais quer em quaisquer outros actos oficiais, ou seja, trata-se de mais uma etapa no estabelecimento da laicização da sociedade portuguesa. Nesta data é também abolido o ensino da doutrina cristã nas escolas.

Aliás, a “batalha” contra a religião católica começou logo, no dia 8 de Outubro de 1910, ainda havia tantas vilas e cidades portuguesas que nem sequer tinham proclamado a República nos seus municípios e já o governo republicano em decreto desta data dava ordens de expulsão aos Jesuítas (foram então expulsos 359 jesuítas portugueses, 118 dos quais eram missionários que trabalhavam nas colónias portuguesas) e determinava o encerramento dos conventos. São novamente expulsas de Portugal todas as ordens religiosas, dando cumprimento à apregoada laicização do Estado, uma das bandeiras da propaganda republicana.

A 20 de Outubro de 1910, o Núncio Apostólico abandona Lisboa, no dia 3 de Novembro seguinte estabelece-se a Lei do Divórcio, que vai também contra os preceitos do Direito Canónico e, a 25 de Dezembro de 1910, é estabelecido o casamento como contrato de validade civil.

Temendo a agitação social, e neste tempo “quente” pós revolucionário o Ministro da Justiça, Afonso Costa, chega ao ponto de mandar prender os Padres que fossem encontrados na rua, fundamentando essa ordem na prevenção de abusos. Não admira, pois, que no dia 10 se encontrassem presos 128 sacerdotes (82 no Forte de Caxias e 46 na cadeia do Limoeiro) e 233 freiras (no Arsenal da Marinha).

Mas a hierarquia da Igreja Católica Portuguesa não ficou parada. Logo na véspera de Natal de 1910 foi distribuída uma pastoral colectiva subscrita pelo episcopado português onde denunciava a violência e o sectarismo anticatólico do novo regime.

E no dia 23 de Fevereiro de 1911, os Bispos tomaram novamente posição, em pastoral colectiva, contra o fim do juramento religioso, a expulsão das Congregações (devo lembrar que logo no dia 8 de Outubro de 1910), a lei do divórcio e restantes medidas anticlericais postas em prática pela república.

Afonso Costa, que exercia o importante cargo de Ministro da Justiça, proibiu a sua leitura nas Igrejas. A resistência a estas medidas estendeu-se a todo o país, nos anos de 1911 e 1912, levando o Governo a punir os prevaricadores com prisões e desterros para fora das respectivas dioceses.

Efectivamente no dia 20 de Abril de 1911 (ainda o Governo Provisório tinha liberdade absoluta para fazer o que entendesse, já que não havia qualquer órgão representativo que vigiasse e limitasse o seu poder) era publicada a Lei de Separação da Igreja do Estado, que logo no seu 1.º artigo, afirmava que a “A República reconhece e garante a plena liberdade de consciência a todos os cidadãos portugueses e ainda estrangeiros que habitarem o território português».

Distantes um século destes acontecimentos revolucionários, cada vez se aprofunda mais a convicção de que os republicanos foram longe de mais na sua conflitualidade contra a Igreja, pese embora a influência conservadora que a Igreja exercia nos fiéis que frequentavam regularmente os templos católicos.

Este sentimento é partilhado hoje por diversos historiadores da época contemporânea. A título de exemplo, apresentamos apenas os nomes de Fernando Rosas e Luís Torgal.

O primeiro numa conferência que proferiu no dia 10 de Abril de 2010, em Gondomar, no âmbito de uma acção de Formação para professores de História, da iniciativa do Centro de Formação Júlio de Resende, intitulada “(Re)encontros com a República”, afirmou que a “questão religiosa” foi um dos erros da República: «a Lei de Separação do Estado da Igreja de 1911, foi considerada um vexame e uma inutilidade, criando um forte antagonismo social, sobretudo no mundo rural».

Luís Torgal é ainda mais peremptório na sua análise. De um artigo seu sobre este assunto, transcrevemos (e subscrevemos) a seguinte passagem.

«Estas acusações e acções, depois conjugadas com as consequências da participação de Portugal na I Guerra Mundial (1914-18), forneceram lastro para o crescimento no país de um amplo e unificado movimento de renascimento católico de cariz “revolucionário conservador” protagonizado por sectores clericais e laicos, que estaria já em gestação desde os inícios do século XX. Este movimento não deixou, aliás, de utilizar o emergente fenómeno popular das aparições (ocorridas entre Maio e Outubro de 1917) e do culto de Fátima, que foi crescendo de forma cada vez menos discreta e espontânea ao longo dos anos 20, como instrumento eficaz de propaganda ao serviço das causas da recristianização nacional, da defesa das liberdades religiosas, sociais e políticas da Igreja e da rejeição absoluta do republicanismo demoliberal e laico e, mais tarde, do comunismo. Tal movimento de revivalismo católico superiormente estimulado e controlado pela mais alta hierarquia da Igreja contribuiu, de resto, para derrubar a Primeira República e depois para sustentar até ao fim o Estado Novo (ou «fascismo à portuguesa») de Salazar e de Marcello Caetano.»

publicado por viajandonotempo às 15:50

Junho 2023
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
14
15
16
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29


ÍNDICE DESTE BLOG:
posts recentes

REPÚBLICA vs IGREJA

arquivos

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Novembro 2022

Setembro 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Tags

todas as tags

pesquisar
 
mais sobre mim
contador
blogs SAPO