SERPA PINTO MORREU HÁ 114 ANOS
O explorador Serpa Pinto com alguns homens da sua confiança que o acompanharam do princípio ao fim
No último domingo deste ano, 28 de dezembro, completaram-se 114 anos sobre o falecimento de Serpa Pinto, importante explorador português do continente africano, na segunda metade do século XIX. Um português de coragem, militar distinto, deputado liberal, um cientista que soube registar com critério científico o que encontrou, fosse gente, animais, plantas, rios, casas, armas...
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto, de seu nome completo, considerado um herói português, sobretudo pelas adversidades que experimentou na exploração do interior africano ao serviço de Portugal, foi um militar e político monárquico, explorador do continente africano subsaariano entre Angola e a Costa Leste de África e, em termos políticos foi deputado pelo Partido Regenerador, Cônsul e Governador Geral de Cabo Verde.
Serpa Pinto nasceu na Quinta das Poldras, freguesia de Tendais, concelho de Cinfães, no Alto Douro, a 20 de Abril de 1846. Era filho do médico miguelista José da Rocha Miranda de Figueiredo e de D. Carlota Cacilda de Serpa Pinto. Com apenas 9 anos vai para o Porto, onde frequenta o Colégio da Lapa. Dois anos depois, entra no Colégio Militar e aos dezassete já é Comandante do Batalhão do Aluno.
Mas a sua fama provém, sobretudo, das viagens de exploração do continente africano. Ele tentou fazer em terras de África (expedições de 1869 e 1877) o que os portugueses de quatrocentos e de quinhentos fizeram no Atlântico central e sul, e, mais tarde, no Índico. A sua intenção era a mesma: ajudar à grandeza de Portugal, descobrindo novas terras, novos povos, novos caminhos para o comércio e domínio português. Foi seriamente assolado por febres tropicais tendo ainda assim chegado ao que se havia proposto. As vicissitudes por que passou, enfrentando muitas vezes a morte, estão na origem de um recente romance de Pedro Pinto, Serpa Pinto / o mistério do Sexto Império (2014) que vale a pena ler.
Desenho de Serpa Pinto (que aparece sentado a assistir ao espetáculo, à frente dos seus homens, vendo-se as suas tendas e no mastro a bandeira portuguesa) publicado no livro “Como eu atravessei Africa do Atlantico ao mar Indico, viagem de Benguella á contra-costa: determinações geographicas e estudos ethnographicos”, com a seguinte legenda: “O Sova Mavanda vem dançar mascarado ao meu campo”.
Durante as várias expedições em território africano, Serpa Pinto evidenciou sempre um grande sentido de responsabilidade, persistência e firmeza na consecução dos seus objetivos, mesmo nos momentos mais críticos (foi assolado com alguma frequência, por febres tropicais, vivenciou situações de fome e de sede, sofreu ataques por parte de algumas tribos, mas conseguiu resistir heroicamente a todas as provações), estabelecendo contacto com os povos locais a quem falou do povo português e do seu rei; alguns dos povos com quem privou nunca tinham visto um branco. As suas expedições tiveram também, e sobretudo, uma preocupação científica: registar o espaço geográfico, com destaque para os rios, designadamente o Zambeze, que liga Angola a Moçambique; fazer diversas recolhas dos vários povos que conheceu, da flora e fauna que encontrava, fazendo apontamentos e registos detalhados, com desenhos, sobre tudo o que ia observando.
Como militar, logo que regressou a Portugal após a primeira expedição, em 1871, prosseguiu a sua carreira, prestando serviço em vários quartéis do reino, nomeadamente em Lamego, Angra do Heroísmo (Ilha Terceira, dos Açores), Funchal (Madeira) e Leiria.
Foram os sacrifícios sofridos e as adversidades vencidas por Serpa Pinto que permitiram a Portugal, na Conferência de Berlim, quando as superpotências europeias, por interesses particularmente económicos, decidiram dividir entre si a África, fazer a reivindicação de lhe ser reconhecida a posse do território entre a costa de Angola e a costa de Moçambique, cujo conhecimento Portugal tinha em exclusivo. Mas a Inglaterra não aceitou a reivindicação portuguesa.
O regime liberal português que assentava na “Rotatividade Partidária” que caracterizou a segunda metade do século XIX entre os partidos Progressista e Regenerador, encontra-se esgotado, face à falta de resposta para a os principais problemas do país. Nos finais do século XIX, a incapacidade do rei pôr cobro às constantes disputas políticas constituiu um dos principais fatores para a descredibilização da Monarquia junto dos cidadãos.
A “Questão do Ultimato Inglês” resulta diretamente do “Mapa Cor-de-Rosa” português, proposto pela Sociedade de Geografia de Lisboa (1881) que pressupunha a ocupação efetiva dos territórios entre Angola e Moçambique. A Inglaterra, interessada também naqueles territórios, dirigiu um Ultimato a Portugal advertindo, no caso do não cumprimento, o uso da força. Aliás, Serpa Pinto, nas suas expedições, já tinha notado no terreno evidentes manifestações do interesse britânico por aquele território. O governo português acabou por ceder (era impossível outra atitude!), contribuindo para uma quebra no orgulho nacional que levou a que se propagandeasse na opinião pública a ideia de que a Monarquia não conseguia defender os interesses nacionais, tornando inevitável uma reviravolta republicana. E assim foi em 5 de Outubro de 1910.
Os republicanos esqueceram, no entanto, a gesta de Serpa Pinto, tido por monárquico, e só no período do Estado Novo o seu carácter heroico foi revalidado. Há inúmeras ruas com o seu nome em todo o país, escolas (como é o caso das escolas do Agrupamento General Serpa Pinto, em Cinfães) e até um dos barcos ao serviço de Portugal teve o seu nome. O “Serpa Pinto” é contemporâneo das duas guerras mundiais (chegou mesmo a servir como barco de guerra na I Guerra ao serviço da Coroa Britânica e durante a II Guerra serviu de transporte a muitos dos que fugiam do terror nazi), transportou mercadorias e pessoas, entre continentes e levou soldados portugueses até à Índia, numa das suas últimas viagens, na década de 1950.